Enem do servidor federal vai oferecer em 2024 mais de 7 mil vagas

Imagem
A partir de 2024 haverá uma prova nacional unificando o processo de seleção de servidores federais, um Enem dos Concursos”, como o objetivo de facilitar o acesso da população às provas, inclusive em cidades do interior. A primeira prova será realizada no dia 24 de fevereiro.  A estimativa de vagas é de mais 7 mil no primeiro ano do concurso, Provas serão simultaneamente em 179 cidades das 5 regiões Cada ministério poderá decidir se vai aderir a esse modelo ou fazer os concursos por conta própria. O exame acontecerá ao mesmo tempo em 179 municípios, sendo 39 na Região Norte, 50 no Nordeste, 18 no Centro-Oeste, 49 no Sudeste e 23 no Sul. Haverá duas provas no mesmo dia. Uma com questões objetivas, comum a todos, e outra com perguntas específicas e dissertativas, divididas por blocos temáticos. Os candidatos para Trabalho e Previdência farão a mesma segunda prova, por exemplo; já os candidatos para Administração e Finanças Públicas, outra. As vagas abrangem os seguintes setores: Administr

Íntegra da Nota Técnica 1/2023 do Conselho Federal de Psicologia acerca da prática da Constelação Familiar

 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA

NOTA TÉCNICA CFP Nº 1/2023

PROCESSO Nº 576600028.000008/2023-33

Visa a orientar psicólogas e psicólogos sobre a práca da Constelação Familiar, também denominada Sistêmicas

1. INTRODUÇÃO

1.1. A presente Nota Técnica foi elaborada por um grupo de trabalho composto por psicólogas [2] representantes de Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) de todas as regiões do país e do Conselho Federal de Psicologia (CFP), com o intuito de responder às demandas recebidas pelos CRPs, que levantaram a hipótese de que a práca da Constelação Familiar não se configura como método ou técnica psicológica e que apresenta incompabilidades écas com o exercício profissional da Psicologia.

2. OBJETIVO DA NOTA

2.1. O objevo desta nota é orientar a categoria de profissionais da Psicologia quanto à ulização da Constelação Familiar, também denominada Constelações Familiares Sistêmicas, no que tange aos aspectos éticos e, consequentemente, à sua ulização como aporte coadjuvante ou práca principal em todo contexto em que haja atuação de psicólogas e psicólogos.

 3. BREVE HISTÓRICO

3.1. Para melhor orientar, faz-se necessária uma breve contextualização sobre as Constelações Familiares e como vêm sendo cada vez mais difundidas na mídia e nas redes sociais, entre outros espaços, como um método terapêuco, com poder de cura de traumas e problemas de diversas ordens que angem indivíduos, famílias, empresas, entre outros; e se baseia em conceitos que, muitas vezes, são associados a teorias e técnicas ulizadas pelo campo da Psicologia.

3.2. Profissionais da Psicologia vêm paulanamente se apropriando de teorias e técnicas da Constelação Familiar e produzindo conteúdo digital em redes sociais, associando-os a serviços psicológicos. O tema é objeto de preocupação do Sistema Conselhos de Psicologia, que, pela Lei nº 5.766/1971, tem função de “orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de Psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios de éca e disciplina da classe”. 

3.3. A esse respeito, destacam-se a seguir termos amplamente difundidos em relação às vertentes majoritárias das Constelações Familiares que têm ganhado visibilidade no Brasil:

4. TEORIA DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR

4.1. A base amplamente divulgada da teoria das Constelações Familiares enfaza que os relacionamentos são regidos por três leis, de caráter universal, chamadas de “Ordens do Amor”, que devem ser seguidas para o equilíbrio e a harmonia das relações. São regras e convenções sociais que norteiam as relações e que precedem todas as pessoas, cuja transgressão traria problemas ao sistema familiar ou a indivíduos que a ela pertencem. 

4.2. A primeira lei trata do “pertencimento pelo vínculo”, segundo a qual é inerente ao ser humano a necessidade de pertencer a um grupo. Além disso, ninguém que tenha pertencido ao sistema pode ser excluído. Assim, não seria possível negar a alguém o direito de pertencimento ao sistema – nem mesmo àqueles que já morreram ou que tenham sido excluídos por comportamentos não tolerados, por exemplo:

 [...] na família e no grupo familiar existe uma necessidade de vínculo e de compensação, partilhada por todos, que não tolera a exclusão de nenhum membro. Quando ela acontece, o destino dos excluídos é inconscientemente assumido e continuado por membros subsequentes da família. […] Quando, porém, os membros remanescentes reconhecem os excluídos como pertencentes à família, o amor e o respeito compensam a injusça que foi cometida contra eles, e seus destinos não precisam ser repetidos. É isso que chamamos aqui de solução. (Hellinger, 2010, p. 6) 

4.3. A teoria propõe que, quando a “Lei do Pertencimento” é descumprida, há na família a necessidade de compensação dessa exclusão; assim, uma futura geração assumirá, de forma inconsciente, sintomas que expressarão o emaranhamento produzido pela exclusão do membro do sistema (Hellinger, 2010).

4.4. A segunda lei que atuaria nos relacionamentos é a do equilíbrio entre o “Dar” e o “Receber”. O “Dar e Receber” ou “tomar” seria uma dinâmica nas relações que pressupõe troca, um equilíbrio considerando a real possibilidade de doação de acordo com os papéis na relação. A ausência de reciprocidade implicaria compensações para a busca do equilíbrio. É difundido que, na relação entre pais e filhos, os filhos se constituem em eternos devedores para com os pais e honrariam o que receberam ao também darem à nova geração da família (Hellinger, 2010). Ademais, na relação conjugal o desequilíbrio entre o “dar” e o “receber” estaria sujeito a compensações.

4.5. A realização correspondente por parte do homem consiste em proteger a mãe e os filhos, nutri-los, dar-lhes um lugar e desprender os filhos de sua estreita ligação à mãe. A questionada afirmação de Bert Hellinger: “A mulher deve seguir o homem (em sua família, em seu nome, em seu lugar de trabalho, em seu país…) e o homem deve servir o feminino” (Schneider, 2007, p. 53) ressalta a necessidade desse equilíbrio na complementação.

 4.6. Para o criador da técnica de Constelação Familiar, o incesto seria um desses casos em que a diferença entre o “dar” e o “receber” demanda compensações entre ganhos e perdas na dinâmica do casal:

O sistema passa a ser dominado por uma irresisvel necessidade de compensação, e a maneira mais fácil de obtê-la é que a mulher leve a filha ao marido, para compensar. Esta é a dinâmica familiar que frequentemente está por trás de um incesto. Não é, porém, uma regra geral, pois também existem outras dinâmicas. (Hellinger, 2010, p. 152) 

4.7. A terceira lei a atuar nos relacionamentos é a de “Ordem da Hierarquia”, definida pela precedência no tempo, a qual exige que todo membro da família ocupe o lugar que só a ele corresponde. Os primeiros a chegarem numa família têm precedência sobre os demais – por exemplo, pais têm precedência sobre os filhos, irmãos mais velhos em relação aos mais jovens. Conforme Hellinger (2002, p. 67): 

O amor entre pais e filhos obedece a uma hierarquia, no interior da família, que exige que eles connuem como parceiros desiguais: os pais dão, os filhos recebem. Assim, segundo a terceira Ordem do Amor, tudo vai melhor quando os filhos são filhos e os pais são pais – ou seja, quando a hierarquia familiar, baseada no tempo e na função, é respeitada. (Hellinger, 2002, p. 67) 

5. ANÁLISE
 
5.1. Diferença entre Constelação Familiar Sistêmica e Terapia Familiar Sistêmica

5.1.1. Em primeiro lugar, em que pese a Constelação Familiar vir historicamente reivindicando a nomenclatura Sistêmica à sua definição, é importante diferenciá-la da Terapia Familiar Sistêmica.

5.1.2. A Terapia Sistêmica tem suas raízes na terapia familiar e foi formulada pelo biólogo e filósofo austríaco Ludwig von Bertalanffy em 1968. De acordo com essa teoria, a vida das pessoas é moldada pelas interações tanto com familiares quanto pelos contextos nos quais estão inseridos. O indivíduo, a organização – neste caso, a família – interage com o meio, trocando informações continuadamente. 

5.1.3. Ao contrário disso, na Constelação Familiar Sistêmica parece haver um entendimento de que as relações devem obedecer a leis e regras pré-definidas. 

5.1.4. Para a Constelação Familiar, o sistema se baseia em ordens consideradas naturais, cuja violação pode trazer consequências graves ao seu equilíbrio. No contexto de naturalização de lugares fixos dos componentes familiares, sob rígida hierarquia, há um nítido contraponto com a fundamental análise histórico-social, a parr da qual se compreendem os fenômenos psíquicos e sociais como construções, em determinados contextos e sob relações de poder, e que produzem padrões de formas de ser, de se comportar e viver. Sua autonomia e sua constuição sócio-histórico-cultural são sempre passíveis de transformação.

5.2. Considerações Técnicas sobre a Constelação Familiar

5.2.1. A teoria da Constelação Familiar parece adotar uma concepção de casal e família de bases patriarcais, calcada na heterossexualidade compulsória, que tende a naturalizar a desigualdade de gênero em relações conjugais e familiares.

5.2.2. Essas concepções mostram-se em dissonância com as formas contemporâneas de entendimento sobre famílias. Trata-se de concepção fixa, natural e imutável, contrariando os conteúdos mais recentes de diversos campos de conhecimento. A esse respeito, Pereira e Schimanski (2013) destacam que o conceito de família não deve ser tomado como algo dado, natural e imutável, e que a consolidação do pensamento sobre família faz parte de influências de processos históricos que se modificam de acordo com a necessidade do contexto no qual se estabelecem. 

5.2.3. A compreensão de família na Constelação Familiar parece estar assentada em pressupostos que naturalizam o vínculo biológico sem considerar aspectos históricos, sociais e políticos que engendram as famílias na contemporaneidade, compreensão esta que pode impor leituras moralizantes em relação a processos de ruptura de vínculos familiares, bem como servir de base para a exclusão das múlplas configurações familiares que têm no afeto e no sentimento de pertencimento a sua vinculação familiar. Ao conceber o vínculo familiar como um imperativo emanado da condição biológica, corre-se o risco de negar a possibilidade de emergência de novos modelos de família e reafirmar o modelo monogâmico e nuclear.

5.2.4. Assim, desnaturalizar a concepção de família é fundamental para que a atuação profissional das psicólogas incida sobre modelos ideológicos de família, cuja finalidade é manter um padrão hegemônico e escamotear lógicas autoritárias e conservadoras que dão sustentação a uma concepção de família excludente, que nega a emergência de outras possibilidades de configurações assentadas no vínculo afevo.

5.2.5. Tal entendimento faz-se necessário para que, ao atuar, não se exclua nenhuma expressão familiar, tomando como base somente os pressupostos imperavos biológicos que a Constelação Familiar considera. O rompimento e o enfrentamento a esse modelo são imprescindíveis para que se possam incluir todas as famílias constuídas por vinculações biológicas e afevas.

5.2.6. Há, na obra de Hellinger, passagens que atribuem às mulheres e aos homens papéis naturalizados e desiguais, que sugerem a reprodução da desigualdade estrutural de gênero que fundamenta a ordem social patriarcal. Contudo, é importante salientar que há disntas expressões de masculinidades, feminilidades e pessoas que flutuam ou negam essas prerrogavas binárias de gênero (Zanello, 2018). Assim, ao desconsiderar a autodeterminação dos indivíduos com relação a sua própria idendade e sexualidade, não reconhecendo as relações familiares fundadas nessa diversidade, tem-se como efeito direto a produção de adoecimento dos sujeitos. Tal perspecva vai na contramão da prerrogava fundamental da Psicologia, que é a de promover a saúde de indivíduos e colevidades.

5.2.7. Segundo Vieira (2020b, p. 437), a Constelação Familiar coloca o homem, em alguns momentos, em uma relação de poder sobre a mulher, “reforçando a construção social dos papéis exercidos em virtude da diferença de sexo, e colocando uma naturalização do lugar das mulheres na sociedade decorrente das relações sociais”.

5.2.8. É possível perceber, ao longo da teoria, uma atribuição de poder desigual ao marido/pai em relação aos demais membros da família, com naturalização dessa hierarquia, o que pode gerar o risco de impedir um saudável movimento de mudança nas relações familiares. Cabe também ressaltar que a leitura acerca do lugar de infância e juventude é fortemente marcada por um viés conservador e afeito à naturalização da ausência de direitos de crianças e adolescentes e de assujeitamento frente aos pais.

 Assim, entre pais e filhos, é importante que na família os pais sejam e permaneçam grandes, já que os filhos não possuem os mesmos direitos dos pais. Os filhos, no sistema original, pela ordem e a fim de manter o equilíbrio na relação pais e filhos, permanecem pequenos. (Vieira, 2020a, p. 40) 

5.2.9. Ademais, da leitura da teoria de Hellinger, há elementos que podem levar à naturalização da heterossexualidade como regra nas relações conjugais e à busca por respostas à sua eologia: “Quando a mãe escolhe uma mulher para representar seu filho, suspeite de uma pressão sistêmica em favor da homossexualidade” (Hellinger, p. 169). 

“Os homossexuais com quem trabalhei — mesmo aqueles que sustentam ter escolhido livremente sua orientação sexual — haviam sido envolvidos por dinâmicas sistêmicas, experimentando em suas vidas as consequências do que outros, em seus sistemas, haviam feito ou sofrido. Eles tinham sido impelidos ao serviço do sistema e, em criança, não podiam defender-se das pressões sistêmicas a que se viam submetidos. Eis a segunda coisa com que tinham de haver-se: estavam dando alguma coisa à família”. (Hellinger, 2002, p. 55) 

5.2.10. Embora Hellinger afirme no parágrafo seguinte que apenas tenta “trazer à luz algum bloqueio que esteja limitando a plenitude da vida” e que não tenha “nenhuma intenção de mudar a orientação sexual da pessoa”, pode-se entender que a teoria, perigosamente, em alguns momentos, sugere a associação da orientação sexual não normava a um emaranhamento na família de origem e à expressão de um problema familiar, o que confronta com o acúmulo de discussão no campo da Psicologia quanto à despatologização da diversidade sexual e de gênero.

5.2.11. Também é necessário ressaltar que a violência domésca (contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas LGBTI+ [3] e pessoas com deficiência – PCD) igualmente possui como base uma concepção de família referenciada na hierarquia e na naturalização de papéis ou lugares sociais que produzem sofrimento psíquico e tende a ser jusficada para manutenção ou restauração desses lugares.

5.2.12. Nesse sendo, psicólogas devem estar atentas a possíveis explicações e justificativas do uso de violência para restabelecimento da hierarquia violada. A leitura feita por Hellinger acerca do incesto, que se caracteriza como uma violência de gênero, ilustra a necessidade dessa atenção, no momento em que denega o caráter de violência e atribui às mulheres e meninas a responsabilização sobre ela (Hellinger, 2006).

5.3. A Constelação Familiar nas Polícas Públicas

5.3.1. Conforme a Portaria GM/MS nº 702/2018 (Brasil, 2018), que inclui novas prácas na Políca Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), a Constelação Familiar é uma “abordagem capaz de mostrar com simplicidade, profundidade e praticidade onde está a raiz, a origem, de um distúrbio de relacionamento, psicológico, psiquiátrico, financeiro e físico, levando o indivíduo a um outro nível de consciência em relação ao problema e mostrando uma solução práca e amorosa de pertencimento, respeito e equilíbrio” (Brasil, 2018). 

5.3.2. Segundo a Portaria, a Constelação Familiar é indicada “para todas as idades, classes sociais, e sem qualquer vínculo ou abordagem religiosa, podendo ser indicada para qualquer pessoa doente, em qualquer nível e qualquer idade, como por exemplo, bebês doentes são constelados através dos pais” (Brasil, 2018).

5.3.3. É importante fazer uma leitura crítica dessa regulamentação, haja vista que a Constelação Familiar, apesar de ser extremamente difundida e amplamente ulizada, e já reconhecida no Sistema Único de Saúde via portaria, é uma prática que não possui ainda os requisitos necessários para que seja considerada como uma ciência e cujos fundamentos epistemológicos se mostram frágeis. Ademais, atenta-se à promessa de solução generalizada a problemas de muitas ordens e direcionadas a um público indiscriminado.

5.3.4. No âmbito da Justiça, a Constelação Familiar também tem sido amplamente ulizada. Diante das considerações elencadas, é pertinente destacar alguns pontos do Parecer do Conselho Federal de Psicologia sobre o Projeto de Lei nº 4.887/2020, que propõe a regulamentação da profissão de Constelador Familiar Sistêmico ou Terapeuta Sistêmico.

5.3.5. Destaca-se a inadequação do uso das constelações por profissionais da Psicologia no âmbito da Justiça, em especial em casos de violência. A exposição de mulheres em situação de violência a estes procedimentos e técnicas pode expô-las a situações de risco, insegurança e de revitimização. Denota-se, nestes casos, que não há uma situação de igualdade entre vítima e agressor, com vistas a um diálogo e ao estabelecimento de um acordo. A técnica, neste contexto, acaba por mobilizar a vítima para um acordo em uma situação adversa e de fragilidade, o que não seria realizado em outras condições (CFP, 2021).

5.3.6. A defesa desta técnica concentra, ainda, o debate na pacificação de conflitos, retirando, contudo, o foco da violência dométisca como consequência da desigualdade estrutural de gênero em nosso país. Um debate complexo, relacionado a questões sociais, históricas, culturais e econômicas, passa a ser reduzido a um conflito individual. Desta forma, a aplicação dessa técnica no Sistema de Justiça é entendida por diversos movimentos de defesa dos direitos das mulheres como um retrocesso; indo, também, na contramão da Lei Maria da Penha, uma vez que a lógica de proteção das famílias invisibiliza a violência doméstica e silencia as mulheres vímas de violência (CFP, 2021).

5.3.7. Destaca-se que as diversas diretrizes para atuação da psicóloga nas políticas públicas, contidas nas Resoluções do CFP e em várias Referências Técnicas do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Polícas Públicas (CREPOP), partem da perspectiva psicossocial para a compreensão dos indivíduos e suas relações, rompendo com a tendência de uma Psicologia tradicional que personifica e individualiza todos os processos. Essa visão reducionista, especialmente na atuação da psicóloga nas políticas públicas, tem efeitos danosos, pois não fornece respostas satisfatórias aos reais movos do sofrimento de grande camada da população (Guizzo, 2014). A prática da Constelação Familiar parece explicar os fenômenos a partir de caracteríscas pessoais e interpessoais naturalizadas, o que acaba por desconsiderar os determinantes sociais, políticos e econômicos, de gênero e raciais, que estão envolvidos na construção da subjevidade e sofrimento dos sujeitos.

5.4. Dissonância entre os Pressupostos Teóricos da Constelação Familiar e os Referenciais Normativos – Técnicos e Éticos – para Exercício da Profissão de Psicóloga

5.4.1. A partir das considerações referidas, verifica-se que diversos pressupostos teóricos da Constelação Familiar – entre os quais: a concepção de casal calcada em bases patriarcais e na heterossexualidade compulsória; a naturalização da desigualdade de gêneros nas relações conjugais e familiares; a naturalização do vínculo biológico sem considerar aspectos históricos, sociais e polícos que engendram as famílias na contemporaneidade; a exclusão de diferentes expressões familiares – mostram-se contrários a diversas Resoluções e outras normavas do Sistema Conselhos de Psicologia, além de leis que possuem interface com o exercício profissional da categoria.

5.4.2. De plano, chama atenção o descompasso entre os pressupostos teóricos da prática da Constelação Familiar com o conteúdo da Resolução CFP nº 1, de 22 de março de 1999, que “Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual” (CFP, 1999), a qual consolida como referencial técnico e éco para o exercício da profissão uma perspecva despatologizante da diversidade sexual e de gênero.

5.4.3. No mesmo sendo, a partir de toda fundamentação apresentada, entende-se que a prática da Constelação Familiar viola as diretrizes normativas sobre gênero e sexualidade consolidadas pelo Conselho Federal de Psicologia. Isso porque reproduz conceitos patologizantes das identidades de gênero, das orientações sexuais, das masculinidades e feminilidades que fogem ao padrão hegemônico imposto para as relações familiares e sociais. Identifica-se conflito entre os mencionados pressupostos teóricos da Constelação Familiar e as seguintes Resoluções do CFP:

Resolução CFP nº 1, de 29 de janeiro de 2018: “Estabelece normas de atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travess” (CFP, 2018).

Resolução CFP nº 8, de 7 de julho de 2020: "Estabelece normas de exercício profissional da Psicologia em relação às violências de gênero” (CFP, 2020).

Resolução CFP nº 8, de 17 de maio de 2022: "Estabelece normas de atuação para profissionais da psicologia em relação às bissexualidades e demais orientações não monossexuais” (CFP, 2022). 

5.4.4.  Além disso, e sem prejuízo da verificação de infrações écas a partir de casos concretos, verifica-se um descompasso entre diversos pressupostos teóricos da Constelação Familiar, de um lado, e Princípios Fundamentais e artigos do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP), com destaque para os seguintes: 

Princípio Fundamental I: “O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos”. 

Princípio Fundamental II: O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das colevidades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 

Princípio Fundamental III: “O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando críca e historicamente a realidade políca, econômica, social e cultural.” Art. 2º Ao psicólogo é vedado: a) Pracar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão; b) Induzir a convicções polícas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer po de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais; c) Ulizar ou favorecer o uso de conhecimento e a ulização de prácas psicológicas como instrumentos de casgo, tortura ou qualquer forma de violência. (CFP, 2005) 

5.4.5. Outro aspecto digno de nota, e que pode resultar em infração ética, consiste no fato de que a Constelação Familiar é uma abordagem ulizada em diversos contextos e alguns processos são resolvidos em uma única sessão. No entanto, a sessão de Constelação Familiar pode suscitar a abrupta emergência de estados de sofrimento ou desorganização psíquica, e essa técnica não abarca conhecimento técnico suficiente para o manejo desses estados, o que conflita com a previsão do CEPP segundo a qual: 

Art. 1º São deveres fundamentais dos psicólogos: [...] c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, ulizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na éca e na legislação profissional. (CFP, 2005) 

5.4.6. Esse po de dinâmica da Constelação Familiar pode implicar violação ao art. 2º do CEPP, que veda à psicóloga e ao psicólogo as seguintes práticas: 

a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão; [...] 

e) Ser conivente com erros, faltas éticas, violação de direitos, crimes ou contravenções penais praticados por psicólogos na prestação de serviços profissionais;

 f) Prestar serviços ou vincular o titulo de psicólogo a serviços de atendimento psicológico cujos procedimentos, técnicas e meios não estejam regulamentados ou reconhecidos pela profissão. (CFP, 2005) 

5.4.7. A técnica das Constelações Familiares é realizada muitas vezes com a transmissão aberta das sessões grupais e individuais, inclusive virtualmente (on-line), de modo que qualquer pessoa pode acessar e assisr ao conteúdo que está sendo repassado. Tal conduta é incompavel com o sigilo profissional, conforme dispõe o art. 9º do CEPP, segundo o qual: “É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a inmidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional” (CFP, 2005).

5.4.8. Verifica-se, ademais, a ausência de previsão quanto ao registro documental das atividades relativas à Constelação Familiar, o que, por sua vez, contraria o dever de profissionais da Psicologia, consolidado na Resolução CFP nº 6, de 29 de março de 2019, que “Instui regras para a elaboração de documentos escritos produzidos pela(o) psicóloga(o) no exercício profissional” (CFP, 2019).

5.4.9. Da leitura das produções teóricas sobre a Constelação Familiar, observa-se que tal práca pode sugerir o desrespeito às Referências Técnicas para atuação de psicólogas em Programas de Atenção à Mulher em situação de Violência, CFP (2013). Segundo essas referências técnicas:

Todas as possibilidades de atuação da(do) profissional de Psicologia devem se orientar pelo fortalecimento do protagonismo das mulheres e pelo entendimento muldimensional da violência, como produto das relações desiguais legimadas e produzidas nas diferentes sociedades. (CFP, 2013, p. 77) 

5.4.10. Em flagrante contrariedade, como detalhado, fundamentos teóricos da práca de Constelação Familiar admitem explicações ou justificações para o uso da violência como mecanismo para restabelecimento da uma hierarquia violada, ao passo que outros atribuem às meninas e mulheres a responsabilidade pela violência sofrida. 

5.4.11. Como indicado, além do conflito em relação a Resoluções e outras normavas do Sistema Conselhos de Psicologia, outro aspecto a ser considerado diz respeito à violação de legislação federal sobre direitos de determinados grupos sociais e que possui interface com o exercício profissional da Psicologia. Cite-se, como exemplo, a legislação sobre direitos das crianças e dos adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é categórico ao estabelecer que: 

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento sico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam- se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efevação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

 a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; 

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das polícas sociais públicas;

 d) desnação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (Lei nº 8.069, 1990)

 5.4.12. O ECA consagra as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, os quais devem ser assegurados e promovidos de modo prioritário pela família, pela comunidade, pela sociedade em geral e pelo poder público. Em sendo contrário, as bases teóricas da Constelação Familiar consagram uma leitura acerca do lugar da infância e da juventude fortemente marcada por um viés conservador, afeito à naturalização da ausência de direitos e de assujeitamento frente aos genitores. É flagrante o conflito entre as duas perspecvas.

 6. CONCLUSÃO

 6.1.  Por fim, a inconsistência cienfica e epistemológica da Constelação Familiar, bem como a sua dissonância com o Código de Ética Profissional do Psicólogo e legislações profissionais, levam os Conselhos Federal e Regionais de Psicologia a concluírem que a prática é, no momento, incompavel com o exercício da Psicologia. O uso isolado de teorias e técnicas não se faz suficiente para legitimar uma prática como psicológica, e o que se idenfica dos fundamentos epistemológicos da teoria da  Constelação Familiar a coloca em confronto direto com preceitos fundamentais da profissão da psicóloga, conforme destacado, no que tange a diversas normativas da Psicologia e outras a ela correlatas.

 6.2. É preocupante verificar que, possivelmente pelo fato de a Constelação Familiar se sustentar em bases epistemológicas frágeis, cada constelador tende a interpretá-la e aplicá-la de maneira diversa, o que favorece o aparecimento crescente de diferentes práticas, com promessas apelativas de solução de problemas, inclusive associadas a vidas passadas ou à revelação das soluções de problemas por meio da observação do comportamento de animais, por exemplo.

 6.3. Além disso, percebe-se que a Constelação Familiar tem potencial para fazer emergir conflitos de ordem emocional e psicológica tanto individuais quanto familiares, de modo que pode desencadear ou agravar estados emocionais de sofrimento ou de desorganização psíquica, exigindo assim um acompanhamento profissional psicológico e/ou psiquiátrico que não é oferecido durante as sessões. 

6.4. As concepções de indivíduo, família e papéis sociais das teorias majoritárias da Constelação Familiar parecem ser dissonantes dos principais conceitos técnicos e teóricos da Psicologia e geram um risco de violação de preceitos éticos da profissão de psicóloga. 

6.5. O Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005) cita, em alguns de seus artigos, que a psicóloga não pode ulizar técnicas não regulamentadas ou reconhecidas pela profissão. No entanto, cabe evidenciar que não há uma lista de técnicas/práticas reconhecidas pelo Sistema Conselhos de Psicologia. Assim, quando falamos em práticas reconhecidas, nos referimos ao reconhecimento advindo da ciência, que é desenvolvido na academia e por meio de pesquisas. 

6.6. É importante salientar que o desenvolvimento da Psicologia como ciência é benéfico; entretanto, a partir do momento em que uma técnica desenvolvida pela ciência passa a figurar no repertório profissional das psicólogas, ela passa também a ser objeto de orientação e fiscalização do Sistema Conselhos de Psicologia. Neste sentido, o CFP lançou o Sistema de Avaliação de Práticas Psicológicas Aluízio Lopes de Brito (SAPP) por meio da publicação da Resolução CFP nº 18, de 11 de agosto de 2022, que poderá avaliar práticas emergentes e complementares analisando a compabilidade destas práticas aos preceitos técnicos e éticos da Psicologia. Psicologia.

A autencidade deste documento pode ser conferida no site hp://sei.cfp.org.br/sei/controlador_externo.php? acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 0885373 e o código CRC F3ED0D7C.

Comentários