A IA está prestes a alterar radicalmente as estruturas de comando militar que não mudaram muito desde o exército de Napoleão

Apesar de dois séculos de evolução, a estrutura de um estado-maior militar moderno seria reconhecível por Napoleão. Ao mesmo tempo, as organizações militares têm lutado para incorporar novas tecnologias à medida que se adaptam a novos domínios — ar, espaço e informação — na guerra moderna. Benjamin Jensen professor de Estudos Estratégicos na Escola de Combate Avançado da Universidade do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos The Conversation plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas O tamanho dos quartéis-generais militares aumentou para acomodar os fluxos de informação e os pontos de decisão expandidos dessas novas facetas da guerra. O resultado é a diminuição dos retornos marginais e um pesadelo de coordenação — muitos cozinheiros na cozinha — que corre o risco de comprometer o comando da missão. Agentes de IA — softwares autônomos e orientados a objetivos, alimentados por grandes modelos de linguagem — podem automatizar tarefas rotineiras da equipe, redu...

Por que a extrema-direita brasileira ama a Idade Média europeia

por Paulo Pachá
para Pacific Standard Magazine

No dia da posse de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, Filipe Martins, um blogueiro político próximo à família Bolsonaro, twittou sua celebração pessoal da vitória de Bolsonaro: A Nova Ordem está aqui. Tudo é nosso! Deus vult!

Os observadores seriam perdoados por se perguntarem por que “Deus vult” — Latim para “Deus deseja”, um grito de guerra medieval associado à Primeira Cruzada — está reaparecendo no Brasil do século 21.

Nos últimos anos, a linha “Deus Vult” foi apropriada pela extrema direita na Europa e nos Estados Unidos, e agora se tornou um slogan para a extrema direita no Brasil.

Na verdade, Martins já havia vinculado explicitamente esse grito de guerra às Cruzadas quando ele twittou no dia do segundo turno das eleições: A nova Cruzada é decretada. Deus vult!

Em 3 de janeiro, Bolsonaro nomeou Martins como assessor especial presidencial para assuntos internacionais.

No Brasil de Bolsonaro, o novo governo e grupos de extrema direita estão propagandeando uma versão fictícia da Idade Média europeia, insistindo que o período era uniformemente branco, patriarcal e cristão.

Este revisionismo reacionário apresenta o Brasil como a maior conquista de Portugal, enfatizando uma continuidade histórica que molda os brasileiros brancos como verdadeiros herdeiros da Europa.

Desta forma, através de uma visão genética da história, a extrema direita enquadra a história brasileira como essencialmente ligada ao próprio passado medieval imaginariamente puro de Portugal.

A maneira mais comum de expressar essa associação é proclamar a chamada tradição judaico-cristã como o principal pilar da cultura brasileira.

Tal retórica serve para indicar que o Brasil é uma nação cristã e, como resultado, é uma orgulhosa parte da civilização ocidental.

O estado brasileiro vem impulsionando essa narrativa histórica desde o século XIX.

Portanto, afirmar as ligações identitárias do Brasil com a Idade Média europeia é também afirmar um conjunto de projetos políticos conservadores antigos e muito específicos.

Em seu discurso de posse, Bolsonaro prometeu ‘unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, opor-se à ideologia de gênero e preservar nossos valores’.

Sua referência à suposta “tradição cristã” do Brasil foi similarmente um marco de seus discursos durante a campanha.

Em setembro passado, durante um comício de campanha em Campina Grande, Bolsonaro disse a seus partidários: “Dado que somos uma nação cristã, Deus acima de tudo!” (Mais tarde, no mesmo discurso, ele acrescentou: ‘Nada mais desse conto do estado secular! É um estado cristão’.)

Finalmente, o slogan de Campanha de Bolsonaro era ‘o Brasil acima de todos, Deus acima de tudo’ — um toque religioso no slogan nazista Deutschland über alles.

A centralidade dessa ideia sobre uma “tradição judaico-cristã” é generalizada entre os grupos de extrema direita brasileiros.

Kim Kataguiri, líder do Movimento Brasil Livre [MBL], eleito representante do Congresso em 2018, destacou a mesma ideia durante uma entrevista de 2017, dizendo a um entrevistador: Em nossos vídeos [MBL], falamos sobre os pilares da civilização ocidental, que são a filosofia grega, o direito romano e a religiosidade judaico-cristã.

Essas ideias têm força social entre os eleitores de direita e a população em geral no Brasil.

Um documentário de 2017 chamado Brazil: The Last Crusade foi produzido e lançado no YouTube pela organização de extrema direita Brasil Paralelo (“Parallel Brazil”), um canal com mais de 700.000 assinantes; o documentário agora tem mais de 1,5 milhões de visualizações.

O primeiro episódio, “A Cruz e a Espada”, apresenta uma breve história da civilização ocidental na Idade Média.

Repleto de islamofobia, o episódio centra-se na conquista árabe da Península Ibérica e nas Cruzadas, destacando o papel dos Cavaleiros Templários na história europeia e portuguesa, incluindo a chamada Reconquista.e a expansão no exterior.

Os cineastas enfatizam como a conquista portuguesa e o domínio colonial estabeleceram a herança europeia como a essência mais profunda do Brasil, ligando a nação futura ao legado da Idade Média europeia.

De fato, a ideia da civilização ocidental é uma construção política recente, destinada a legitimar processos políticos e históricos específicos, o imperialismo e o colonialismo entre eles.

Ao retratar a Idade Média europeia como o verdadeiro passado da nação, a extrema-direita branqueia sua própria história e a crueldade de sua prática política, especialmente (mas não apenas) a persistência de racismo ativo, misoginia, homofobia e intolerância religiosa.

O racismo é um elemento estrutural da sociedade brasileira. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão em 1888.

Em 2017, 70% de todos os assassinatos no Brasil vitimizaram os afro-brasileiros. Mais de 60% dos presos no Brasil são negros.

Da mesma forma, a violência de gênero e a misoginia são fatos centrais da vida brasileira: o Brasil é o quinto país mais perigoso do mundo em mortes violentas de mulheres.

Além disso, o Brasil é uma das nações mais perigosas para as pessoas LGBT, com dezenas de assassinatos homofóbicos registrados a cada ano.

Finalmente, a intolerância religiosa tem aumentado nas últimas décadas. A maioria da população brasileira se identifica como cristã (principalmente católica e evangélica), mas existe uma imensa diversidade na prática espiritual.

Os adeptos das religiões afro-brasileiras são os principais alvos dos atos de intolerância.

Nesse contexto, o Brasil oferece um terreno fértil para uma versão imaginada da Idade Média europeia que a extrema direita apresenta como branca, patriarcal e cristã.

Ao enfatizar a relação entre o Brasil e Portugal, a extrema direita apaga a importância dos povos indígenas e africanos na história do Brasil e ignora suas contribuições sociais, culturais e econômicas.

Neste passado imaginário, Portugal não é enquadrado como uma potência colonial distante, mas como a “pátria mãe” que deu aos brasileiros uma língua e cultura europeias.

Gilberto Freyre notoriamente desenvolveu o mito de uma democracia racial no Brasil: a coexistência pacífica das “três raças”. Na versão de extrema-direita da história, estamos de volta a uma visão ante-freiriana: um passado limpo e branco para o Brasil.

No entanto, o objetivo dos demagogos que se apropriam da Idade Média europeia dessa maneira não é apenas reconstruir o passado.

Como os historiadores sabem, o presente e o passado estão ligados; reescrever a história do Brasil também é pressionar por um projeto específico para o futuro.

Como disse Bolsonaro durante sua campanha em Campina Grande: Vamos construir um Brasil para as maiorias! Minorias devem se curvar para as maiorias! A lei deve existir para defender maiorias! Minorias devem se adaptar ou simplesmente desaparecer!

A plataforma política de Bolsonaro é construir um país em que o cristianismo conservador desfrute de um domínio incontestado, a família patriarcal seja a sede do autoritarismo doméstico e o racismo, a homofobia, a misoginia e a intolerância religiosa estejam codificados na vida cotidiana.

Cumprindo suas promessas de campanha, o governo Bolsonaro já encerrou importantes políticas públicas que ofereciam proteções a grupos marginalizados.

A melhor maneira de descrever o governo de Bolsonaro é como uma reação reacionária: uma reação conservadora agressiva aos modestos passos progressivos que o Brasil adotou nas últimas décadas.

Examinando quão importante é a ideia de uma Idade Média europeia pura e branca para a extrema direita brasileira, podemos vislumbrar os princípios fundamentais que guiarão este governo e o movimento social mais amplo que lhe dá força.

Nesse sentido, é importante ressaltar que a extrema direita brasileira (incluindo o governo Bolsonaro) não quer “tornar o Brasil medieval de novo”, mas sim evocar um conjunto de ideias sobre a Idade Média europeia como um passado idealizado que forneça elementos para a construção de um futuro nobre.

O uso da Idade Média pela extrema direita é um problema global, com surtos específicos nos EUA e na Europa Ocidental.

Futuros cruzados brasileiros sabem disso.

Paul Joseph Watson, de extrema-direita inglesa, entrevistou Martins logo após a vitória de Bolsonaro no primeiro turno das eleições.

Da mesma forma, em 2018, tanto Martins quanto Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente, estavam em contato com o organizador americano de extrema-direita Steve Bannon.

Eduardo Bolsonaro chegou a se gabar de que ele e Bannon estavam unindo forças “contra o marxismo cultural”.

Há trabalho a ser feito no Brasil, mas também em todo o mundo acadêmico. No ensino e na erudição, os medievalistas devem se opor à extrema direita e dispensar esses mitos.

A nova Idade Média “global”, baseada em olhar para além da Europa Ocidental e abraçar as verdadeiras complexidades de um mundo multiétnico e polireligioso, com sujeitos ativos de diversos gêneros, terá que enfrentar a supremacia branca global.

Paulo Pachá é professor assistente de história medieval na Universidade Federal Fluminense no Brasil.

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