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Andrea Vialli, do Estado de S.Paulo
A crise econômica está fazendo com que o sonho dekassegui se transforme em um pesadelo para os brasileiros no Japão. Com a piora da economia japonesa em dezembro, as ondas de demissões têm atingido os trabalhadores dekasseguis, em especial nas indústrias automobilística e de eletroeletrônicos. Além da perda do emprego, muitos acabam perdendo também a moradia, e já é percebido um aumento do número de brasileiros sem-teto nas ruas de grandes cidades como Tóquio.
“O quadro é dramático”, disse, por telefone, o sindicalista Francisco Freitas, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Estrangeiros no Japão e do Sindicato dos Metalúrgicos da província de Shizuoka. Na semana passada, Freitas reuniu, nas ruas de Hamamatsu, 250 trabalhadores brasileiros recém-demitidos em um protesto contra a perda do emprego. A ideia era sensibilizar o governo japonês.
Atualmente, os trabalhadores estrangeiros são 2% da população do Japão. Só brasileiros, são 320 mil contratados regularmente no país. Com a queda nas vendas da indústria de carros e eletroeletrônicos, os estrangeiros são os primeiros a serem demitidos. Em muitos casos são substituídos por estagiários do norte da China, Indonésia e Vietnã, que recebem US$ 3 por hora de trabalho. Os brasileiros e outros estrangeiros legalizados custam US$ 12 por hora para a indústria. “Como o emprego do cidadão japonês é protegido por leis rígidas, os estrangeiros são os primeiros a sentir os cortes”, disse Freitas.
Francisco Hirata mora em Minowa, na província de Nagano, que concentra fábricas de eletroeletrônicos e tem a terceira maior população de brasileiros do Japão. “Sabemos de pessoas que estão passando por privações”, disse, também por telefone, Hirata, que está de aviso prévio. A empresa para a qual trabalha até 31 de janeiro, a Anec, faz monitores para computadores e demitiu 80 trabalhadores. Sua esposa, Angela, trabalhou até 26 de dezembro.
Ambos vão procurar uma agência para estrangeiros e dar entrada no pedido de seguro desemprego. O benefício é garantido a estrangeiros em situação legal, mas não chega a 70% do salário da ocupação anterior. “Vamos tentar mais um pouco”, disse Hirata. Com uma filha de cinco anos nascida no Japão, o plano era ficar no país até 2011. Se não conseguirem, fazem as malas e voltam ao Brasil.
A brasileira Thaís Yamamoto também passou por um “kubi” (corte de pessoal). Foram 120 demitidos, entre brasileiros, chineses, filipinos e peruanos. Mas conseguiu ser recontratada. “De 120, restaram dois. Estou em uma situação privilegiada”, disse, por ainda ter emprego e por ter alugado a casa em que vive por conta própria, sem intermédio das empreiteiras, empresas que fornecem mão-de-obra estrangeira.
Thaís está no Japão há oito meses. Com ela, vivem o irmão Eduardo, a cunhada Elianee o sobrinho Pedro, de seis anos, além de um casal de brasileiros que também perdeu o emprego. “Íamos ficar quatro anos. Se a crise não amenizar, volto para o Brasil em outubro.” A cunhada de Thaís também foi demitida da Goyo, fabricante de telas para televisão - na empresa, 800 perderam o emprego.
Um dos efeitos colaterais mais penosos para os brasileiros que perdem o emprego no Japão é a perda simultânea de moradia. A maioria dos brasileiros trabalha por meio das empreiteiras, que fornecem apartamentos para os casados e alojamentos para os solteiros. Com as demissões, eles têm de desocupar os imóveis.
“Um desempregado, mesmo com dinheiro na mão, não atende às exigências de locação”, disse o sindicalista Francisco Freitas. “Muita gente está improvisando barracos sob viadutos. Era um cenário, há até pouco tempo, improvável no Japão”.
As manifestações realizadas pelos movimentos sindicais para sensibilizar a opinião pública começam a dar os primeiros resultados. Na província de Shizuoka, o governo ofereceu aos estrangeiros 125 apartamentos que podem ser alugados por até um ano, sem fiador ou caução, a valores subsidiados. Caso o número de inscritos supere o de imóveis, os inquilinos serão escolhidos por sorteio.
Muitos brasileiros querem voltar e não conseguem. Como o custo de vida no Japão é alto, quem mora há pouco tempo no país encontra dificuldades para fazer poupança. Mesmo assim, há muitos tentando. Os voos de Tóquio a São Paulo estão praticamente esgotados até abril. “Só sobraram os assentos mais caros”, disse ao Estado um funcionário da Japan Airlines.
A solução encontrada pelos dekasseguis é recorrer à solidariedade. Há 15 anos no Japão, o padre Evaristo Higa acolhe e alimenta brasileiros empobrecidos. Com a crise, a distribuição de comida dobrou. Recentemente, uma equipe do Itamaraty acompanhou a distribuição de comida feita pelo padre.
Leico Haguino e o marido, Arney, passaram da condição de família classe média em Osaka para a de hóspedes na casa dos Yamamoto, em Ueno. Ela e o marido trabalhavam na Canon, fabricante de máquinas fotográficas. A linha de produção foi transferida para a China, atrás de mão-de-obra mais barata. Se conseguir se livrar de um financiamento de automóvel (uma dívida de 500 mil ienes, ou R$ 8 mil), o casal deixa o Japão. “Estamos loucos para voltar para o Brasil.”
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Recessão no Japão: dekasseguis são os primeiros nas listas de dispensa. (novembro de 2008)
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Brazucas.
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