A IA está prestes a alterar radicalmente as estruturas de comando militar que não mudaram muito desde o exército de Napoleão

Apesar de dois séculos de evolução, a estrutura de um estado-maior militar moderno seria reconhecível por Napoleão. Ao mesmo tempo, as organizações militares têm lutado para incorporar novas tecnologias à medida que se adaptam a novos domínios — ar, espaço e informação — na guerra moderna. Benjamin Jensen professor de Estudos Estratégicos na Escola de Combate Avançado da Universidade do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos The Conversation plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas O tamanho dos quartéis-generais militares aumentou para acomodar os fluxos de informação e os pontos de decisão expandidos dessas novas facetas da guerra. O resultado é a diminuição dos retornos marginais e um pesadelo de coordenação — muitos cozinheiros na cozinha — que corre o risco de comprometer o comando da missão. Agentes de IA — softwares autônomos e orientados a objetivos, alimentados por grandes modelos de linguagem — podem automatizar tarefas rotineiras da equipe, redu...

‘Não há desejo sem angústia’

do jornal argentino Página/12

“O amor, a amizade, a comunidade, quando escapam da loucura dos proprietários, compõem cumplicidades anticapitalistas”, avalia Marcelo Percia, psicanalista argentino, no texto “A angústia como afeição anticapitalista”, do qual foi extraído o fragmento a seguir.

Enquanto a palavra “angústia” é empregada para expressar diferentes sentimentos infelizes, o termo “capitalismo” é substituído por outras que escondem as relações sociais de exploração e desigualdade. Confunde-se angústia com ansiedade, tristeza, frustração, nostalgia, temor, e se opta por qualificar como sociedade, mercado, sistema, realidade, mundo, o que deveria ser chamado de capitalismo. A angústia, eleita como representante de todas as tristezas, perde seu potencial emancipador, e as pessoas que evitam nomear o capitalismo ocultam a injustiça histórica do presente infeliz.

Freud retoma teorias que pensam o amor como conjuro contra a angústia. Sugere que amamos o outro em quem encontramos o que gostaríamos de ter ou alguém que sentimos que nos ama assim como nos iludimos ser. O amor se apresenta como um ideal protetor, uma habilidade imaginária, um rodeio sutil, através do outro, para recuperar a desejada segurança perdida. Escreve Cesare Pavese em seu diário, em 25 de março de 1950: “Não nos matamos por amor a uma mulher. Nos matamos porque um amor, qualquer amor, nos revela em nossa nudez, miséria, nada”. Pavese pensa que o suicídio por amor é um ato desesperado daqueles que não suportam viver a solidão, sem roupagens.

O amor freudiano é loucura possessiva. Mesmo que não se possa prender o outro, o desejo de tê-lo aprisionado e decifrado é uma obsessão da civilização amorosa. O enunciado que diz que o outro não é apropriável é uma premissa ética, mas também é uma condição do desejo e do erotismo. Ama-se o inatingível, mesmo que o amor delire nos abraços.

O amor deseja a posse impossível do outro. Os amantes querem segurança: a presença do amado para sempre. Quando o amante declara que tem pressa para suprimir essa distância que lhe dói, esquece que essa posse recusada é a própria condição de seu furor. O amor é desejo que se acende mais e mais com a evidência do inalcançável.

Merleau-Ponty chama a atenção para esta ambiguidade do amor: observa que, quando o narrador de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, se pergunta se ama de verdade a Albertine, não pode se decidir: como sente que a deseja quando ela se afasta, infere que não a ama, mas quando ela morre, diante da evidência dessa distância sem retorno, se dá conta de que necessita dela e confirma que a ama. Merleau-Ponty se pergunta: “Se Albertine fosse devolvida a ele, continuaria amando-a?”. Nunca saberemos, responde, se o narrador quer a Albertine ou ama a possibilidade de perdê-la; se ama essa mulher ou enlouquece invejosamente quando sentir que a morte a arrebata dele.

O amor, que costuma afastar uma teia de aranha, pode ser também o vazio em que duas solidões, que se sabem irremediavelmente sozinhas, se aproximam sem esperar completar nada. O amor é felicidade, mas, livre da experiência da angústia, é careta congelada de uma posse sem vida.

O amor, a amizade, a comunidade, quando escapam da loucura dos proprietários, compõem cumplicidades anticapitalistas.

Melancolia

A melancolia é desenfreio de uma posse enlouquecida. Uma imagem freudiana a descreve como movimento em que “a sombra do objeto cai sobre o eu”. Para Freud, é um protesto desaforado diante do qual se vive como um injusto despojo. A melancolia é uma revolta contra a morte, a doença, a velhice e o controle impossível de um semelhante. A sombra do objeto que cai sobre o eu é o obscuro retorno, sobre a primeira pessoa do singular, da própria ilusão projetada. A volta sobre si de um poder murcho.

O amor freudiano é uma transação: adquirimos, através do outro, uma garantia emocional, um valor de nós mesmos. Importa que o escolhido não contradiga o engano ou que simule ser o que necessitamos. Quando se ama, não se sabe o que fazer com esse amor: “Te quero ter, só minha, não me deixes nunca, vamos ficar assim por toda a vida”. À paixão custa imaginar uma declaração não possessiva.

A melancolia é tirania do amor: não quer admitir que a pessoa amada não seja uma marionete obrigada a dar-nos felicidade. A melancolia é persistência dessa ilusão caída e tem resistência a um novo amor porque não quer enfrentar outro desastre.

Sai-se da melancolia através de uma dor, mas dor não quer dizer tristeza raciocinada ou despedida dolorida pelo amor perdido: dor significa onipotência resignada.

A posse sem limites é a secreta aspiração da melancolia. Os corpos angustiados de nossa cultura aprendem a acalmar-se (e não sabem disso) tendo algo: brinquedos, pessoas, dinheiro, objetos, bens, talento, prestígio. A apropriação é praticamente o único remédio oferecido à subjetividade que, assustada, não imagina outras formas de felicidade. O capitalismo fabrica vidas possuídas. Os possuídos, entretanto, não se sentem infectados por esse poder, mas sujeitos livres. Os inúmeros pobres e excluídos, restos sociais que quase não contam, são chamados de despossuídos.

A melancolia é certeza obstinada: acredita ter-se abandonado daquilo que nunca teve. A melancolia apresenta um fantasma, confunde a morte inevitável com a traição.

A angústia é o infinitivo da vida humana: é silêncio e solidão. Não há desejo sem a invenção desse vazio. O desejo não busca a posse, mas o buscar. O desejo é uma forma impessoal sem compromissos com uma meta antecipada. O desejo também não se possui, se dá ou se aloja, provisoriamente, em sua passagem para o outro. O desejo é inconformidade.

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