Enem do servidor federal vai oferecer em 2024 mais de 7 mil vagas

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A partir de 2024 haverá uma prova nacional unificando o processo de seleção de servidores federais, um Enem dos Concursos”, como o objetivo de facilitar o acesso da população às provas, inclusive em cidades do interior. A primeira prova será realizada no dia 24 de fevereiro.  A estimativa de vagas é de mais 7 mil no primeiro ano do concurso, Provas serão simultaneamente em 179 cidades das 5 regiões Cada ministério poderá decidir se vai aderir a esse modelo ou fazer os concursos por conta própria. O exame acontecerá ao mesmo tempo em 179 municípios, sendo 39 na Região Norte, 50 no Nordeste, 18 no Centro-Oeste, 49 no Sudeste e 23 no Sul. Haverá duas provas no mesmo dia. Uma com questões objetivas, comum a todos, e outra com perguntas específicas e dissertativas, divididas por blocos temáticos. Os candidatos para Trabalho e Previdência farão a mesma segunda prova, por exemplo; já os candidatos para Administração e Finanças Públicas, outra. As vagas abrangem os seguintes setores: Administr

STF mantém as pesquisas com células-tronco (Estadão)

Por 6 votos a 5, artigo 5.º da Lei de Biossegurança foi julgado constitucional; sessão tensa pôs fim a embate de 3 anos





Esperança a muitos


Felipe Recondo e Lígia Formenti

BRASÍLIA - Com um placar apertado, as pesquisas com células-tronco embrionárias foram liberadas ontem no País pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dando sinal verde para a continuação dos estudos iniciados após a aprovação da Lei de Biossegurança, em 2005. No País, são pelo menos cinco projetos em andamento.

Em uma sessão tensa, marcada por duelos de argumentos entre os ministros, a Corte pôs fim ao embate judicial que durava três anos e colocava em lados opostos grupos religiosos e cientistas. Por 6 votos a 5, o artigo 5º da Lei de Biossegurança, que permite as pesquisas com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, foi julgado constitucional.


Os cinco ministros vencidos liberavam os estudos, mas sugeriam diferentes restrições, algumas que poderiam comprometer as pesquisas, conforme cientistas. Nenhuma delas, entretanto, foi referendada. Ficaram vencidos na discussão os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. Votaram pela liberação das pesquisas, sem ressalvas, os ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello.

A sessão de ontem, a terceira sobre o tema, começou oficialmente empatada: quatro ministros votaram por liberar as pesquisas sem restrições e outros quatro por permiti-las, desde que feitas algumas mudanças ou interpretações da lei. Faltavam apenas os votos dos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e do presidente do tribunal, Gilmar Mendes, para que o resultado fosse conhecido. Como as decisões são por maioria, faltavam, assim, apenas dois votos para acabar com o debate. E eles já haviam sido informalmente proferidos: Celso de Mello e Marco Aurélio adiantaram há meses que votariam por liberar as pesquisas sem restrição.

Bastou o ministro Marco Aurélio confirmar, em plenário, que liberaria as pesquisas para que cientistas, cadeirantes e advogados começassem a comemorar. “Todos ganham com esse resultado: a ciência, o País, os pacientes”, disse a pesquisadora Patrícia Pranke, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Todos vamos nos beneficiar dessa vitória. Temos uma enorme responsabilidade pela frente. Quero deixar claro que não estamos prometendo cura imediata, mas dar o melhor de nós nas pesquisas”, afirmou a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo (USP). “Queremos que os pacientes saibam que vamos lutar pelas mesmas condições de saúde do Primeiro Mundo”, complementou.

O voto de Gilmar Mendes, já no início da noite, por liberar as pesquisas desde que fossem previamente aprovadas por um órgão central, apenas fechou o julgamento.

PRINCÍPIO DA VIDA

Apesar de histórico, o julgamento do Supremo não definiu, como muitos esperavam, em que momento começa a vida humana - se na fecundação, se no 14º dia de gestação, em outro momento da gestação ou no nascimento. “Vários podem ser os inícios da vida humana tal seja a opção que se faça por determinada formulação teórica ou tese”, explicou o ministro Celso de Mello. Diante disso, os ministros restringiram-se apenas a concluir que a Constituição brasileira não garante ao embrião humano mantido em laboratório a garantia da inviolabilidade à vida e à dignidade.

A conclusão é uma derrota à tese da Igreja Católica, para quem a vida começa no momento da fecundação e para quem as pesquisas com células-tronco embrionárias deveriam ser terminantemente proibidas. Além disso, o veredicto do Supremo marcou o fim da carreira no Ministério Público daquele que foi responsável por judicializar esse debate: o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles. Católico praticante, foi ele que ajuizou no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade que contestava a Lei de Biossegurança.

Na primeira sessão de julgamento, em março, Fonteles esteve no plenário do Supremo. Nas duas últimas sessões desta semana, sua ausência foi sentida. Fonteles está de licença e não voltará ao Ministério Público, como avisou aos assessores.
Venceram nessa disputa os cientistas e o argumento de que as pesquisas serão fundamentais na descoberta de terapias para tratar pacientes que sofrem de doenças que hoje são incuráveis, como diabete, mal de Parkinson e de Alzheimer.

A pendência judicial termina três anos e dois meses depois de a Lei de Biossegurança ter sido sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prazo maior do que estabelecido no texto para que os embriões ficassem congelados até que pudessem ser estudados. Pela lei, os cientistas podem pesquisar as células-tronco embrionárias obtidas de embriões inviáveis, ou congelados desde 2002, ou ainda que tenham sido congelados na data da sanção da lei. Para isso, os cientistas precisam da prévia autorização dos genitores.

Apesar da lei em vigor desde 2005, os pesquisadores tinham dificuldades em conseguir verbas para novos estudos com células-tronco embrionárias. Como dependem eminentemente de verba do governo, a pendenga judicial acabou por suspender o lançamento de editais para novas pesquisas na área. A decisão do Supremo alinha o Brasil com outros 25 países que permitem as pesquisas com células-tronco embrionárias. Entre eles, França, Espanha, Portugal, Reino Unido, Índia, Austrália, África do Sul, Estados Unidos e Canadá.

ATUAÇÃO

A polêmica em torno do uso de células-tronco contou com atores inusitados, mas que desempenharam um papel fundamental: os cientistas. Convictos de que o uso de células-tronco embrionárias poderia trazer avanços significativos para a área, pesquisadores deixaram por um tempo as bancadas de laboratórios para fazer um trabalho de convencimento entre políticos, organizações sociais e, nesta última etapa, entre magistrados.

Neste trabalho, além de inúmeras viagens a Brasília, pesquisadores passaram também a ocupar a mídia, para tentar convencer a população sobre a importância do uso de embriões. A geneticista Mayana Zatz e Patrícia Pranke transformaram-se em defensoras-símbolo das pesquisas. “Foi a primeira vez, mas deu certo. Isso mostra o quanto é importante que cientistas se unam para lutar pelos seus ideais”, afirmou Patrícia.

A FAVOR SEM RESTRIÇÕES

Ellen Gracie (5 de março)
“O aproveitamento nas pesquisas científicas com célula-tronco dos embriões é infinitamente mais útil e nobre do que o
descarte vão dos mesmos”

Carlos Ayres Britto (5 de março)
“A Constituição Federal protege brasileiros, enquanto um embrião jamais poderá ser considerado Brasileiro”

Joaquim Barbosa (28 de maio)
“A proibição da pesquisa significa fechar os olhos para o desenvolvimento científico e para os eventuais benefícios que dele podem advir”

Celso de Mello (29 de maio)
“Vários podem ser o início da vida humana, segundo a concepção que cada um adota. Então, deve-se optar pela concepção que mais se adapte ao interesse público”

Carmen Lúcia Antunes Rocha (28 de maio)
“A pesquisa com células-tronco embrionárias não agride a dignidade da pessoa humana, antes a valoriza. O grão tem que morrer para germinar”

Marco Aurélio Mello (29 de maio)
“A questão é se eles (embriões) vão ser destruídos fazendo bem a alguém ou não”

COM RESTRIÇÕES

Antonio Cezar Peluso (28 de maio)
“Os embriões congelados não são portadores de vida nem equivalem a pessoas, não vejo como as pesquisas ofendem o chamado direito à vida”

Eros Grau (28 de maio)
“Nesses óvulos fecundados não há ainda vida humana. Nos embriões, e tomo o vocábulo em sentido corrente sim, neles há processo vital em curso”

Ricardo Lewandowski (28 de maio)
“A vida do ponto de vista estritamente legal começa na concepção, iniciada quer in vitro quer no útero”

Carlos Menezes Direito (28 de maio)
“Se pelo bem praticamos o mal, se para salvar uma vida tiramos outra, sem salvação ficará o homem”

Gilmar Mendes, presidente do STF (29 de maio)
“É sempre a humanidade que sai prejudicada com as tentativas de barrar os avanços científicos e tecnológicos”

Entenda importância histórica do julgamento das células-tronco

Especialistas explicam por que esse julgamento foi um dos mais importantes dos mais de 100 anos do STF

Giovanna Montemurro, do estadao.com.br

SÃO PAULO - O ministro Celso de Mello declarou durante o julgamento que ocorreu no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira, 29, que a decisão sobre o uso de células-tronco embrionárias foi o julgamento mais importante da história casa, de mais de 100 anos.

"É uma questão relevante e fundamental, mas não se pode eleger um julgamento como o mais importante em uma casa com mais de 100 anos de história", disse Paixão, que lembrou de outros casos importantes do STF - como o impeachment de Collor, a definição de racismo como crime, o estabelecimento do habeas corpus como garantia dos direitos individuais e a não obrigatoriedade dos exames de DNA.

Foi o que afirmou, também, Oscar Vilhena Vieira. "É um julgamento muito importante, mas entre muitos outros", disse. O professor de direito constitucional da Faculdade Getúlio Vargas de São Paulo(GV) e defensor das pesquisas com embriões na audiência de Ação Indireta de Inconstitucionalidade (Adin), que acompanhou o caso de perto, ressaltou dois pontos que fizeram desse, um julgamento histórico para o STF.

Primeiro, essa decisão apresentou o primeiro grande dilema moral que a casa enfrentou em 20 anos. "Há muitos anos não se discutia um assunto de tamanha importância moral e social", disse.

Em segundo lugar, esse julgamento tocou na importante questão da divisão de poderes do Estado democrático. "Quando os ministros começaram a impor restrições ao texto da lei de Biossegurança para aceitar ou rejeitar sua constitucionalidade, eles abriram a possibilidade do Supremo legislar indiretamente", explicou. Cabe ao STF apenas analisar a constitucionalidade do texto que existe, não apontar mudanças - atitude que poderia gerar um interferência entre os poderes legislativo e judiciário.

"Esse julgamento foi uma vitória para a democracia e para a separação dos poderes", acrescentou Vieira. Que, considerou a não interferência de questões religiosas na decisão jurídica também uma vitória. "Havia essa possibilidade dentro da questão moral que o Supremo enfrentava."

Gustavo Nicolau, coordenador do curso de direito da Damásio de Jesus, apóia com a afirmação de Celso de Mello. "Concordo com a importância atribuída pelo ministro ao julgamento, embora ele talvez não seja o de mais impacto na vida prática dos cidadãos", afirmou o professor, que lembrou que muitos julgamentos com conseqüências mais imediatas, como o processo que aprovou a lei do divórcio.

'Ciência e religião não devem se misturar', diz biólogo dos EUA

No Brasil para palestras, Douglas Futuyama faz balanço dos avanços no estudo da evolução biológica

Carlos Orsi, do estadao.com.br

SÃO PAULO - Ciência e religião podem conviver, mas não devem se misturar. Essa é a receita que o biólogo americano Douglas Futuyma oferece para evitar conflitos como os que ocorrem nos EUA, em torno do ensino da teoria da evolução em escolas públicas. Futuyma é um veterano dessas batalhas, tendo sido presidente da Sociedade Americana para o Estudo da Evolução e editor da revista científica especializada Evolution. É autor, entre outros livros, de Science on Trial: The Case for Evolution (Ciência em Julgamento: O Caso em Favor da Evolução), sobre o embate entre o ensino da evolução e do criacionismo, e de Biologia Evolutiva, uma das principais obras usadas no ensino da evolução nos cursos universitários brasileiros de Biologia.

Futuyma está no Brasil nesta semana, para uma série de três palestras da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A primeira delas, na terça-feira, foi "A Biologia Evolutiva, 150 anos após a publicação da Origem das Espécies". A desta quarta teve como assunto "Evolução e o Ataque à Ciência", sobre o duelo com os criacionistas, e nesta quinta-feira o tema é "A Evolução de Associações entre Insetos e Plantas Hospedeiras".

A palestra de terça superlotou a sala de defesa de teses do Instituto de Biologia da universidade, com estudantes e professores em pé, junto às paredes e sentados nos corredores para ouvir o cientista fazer um balanço dos avanços no estudo da evolução biológica ao longo do último século, principalmente a partir da descoberta do código genético. "Os genomas não fazem sentido sem a vinculação com a evolução, e hoje também podemos estudar a influência dos genes na evolução das espécies", disse ele à platéia. Antes de iniciar a palestra, Futuyma falou à reportagem do estadao.com.br:

Como está a teoria da evolução hoje, 150 anos depois de sua formulação inicial?

Mais forte que nunca. Gostaria de começar dizendo algo sobre a palavra "teoria". Essa palavra é mal compreendida, nos EUA e, talvez, no Brasil também. Para muita gente, teoria é algo como uma idéia, um palpite. Em ciência, no entanto, usamos "teoria" de um modo diferente. Físicos falam em teoria quântica, teoria atômica, e não estão fazendo especulações vazias. Eles têm muita certeza daquilo que dizem. Em ciência, "teoria" significa um corpo de explicações que dá conta de uma ampla gama de observações, e forma um corpo de conhecimento muito forte. Nos últimos 150 anos, a teoria da evolução cresceu e acumulou evidências em seu favor. Por exemplo, no tempo de Darwin (Charles Darwin, autor de "A Origem das Espécies", primeira obra a expor a teoria da evolução, publicada em 1859) não sabíamos sobre DNA, sobre genes, não sabíamos como as características passavam dos pais para filhos. Agora, usamos DNA para entender melhor a evolução, e a evolução para entender melhor o funcionamento dos genes. Outro exemplo: Darwin sugeriu, em 1866, que humanos e chimpanzés vinham de um ancestral comum e agora sabemos, graças ao DNA, que ele estava certo, porque o DNA humano e dos chimpanzés coincide em mais de 90% .

Como o trabalho de Darwin se sustenta hoje? Muitas vezes, o fundador de um novo ramo da ciência acaba superado pelo avanço da própria ciência que ajudou a criar.

Comparado com outros fundadores, Darwin sobrevive muito bem. Claro que ele não era perfeito, cometeu erros e havia muita coisa que, simplesmente, não sabia. Mas é notável quantas das suas idéias, quanto de seus "insights", foram validados. Por exemplo: ele teve problemas em entender como insetos sociais, como abelhas e formigas, criam comunidades onde a maioria dos indivíduos trabalha, mas não se reproduz, já que a evolução prevê que os indivíduos que têm mais sucesso reprodutivo devem acabar dominando a espécie. Isso parecia um desafio à teoria da evolução. Ele teve a idéia de que alguns indivíduos poderiam se sacrificar em favor de outros de parentesco próximo, na mesma colônia. E hoje esta ainda é a principal explicação, com muita evidência a seu favor. Claro, ele estava errado em algumas coisas. Ele tentou criar uma teoria da hereditariedade que estava, simplesmente, errada. Mas ninguém é perfeito.

Críticos da evolução costumam dizer que a teoria é um raciocínio circular, já que afirma "a sobrevivência dos mais aptos", mas o único jeito de saber quem é mais apto é esperando para ver quem sobrevive...

Não se trata de um argumento forte. Os críticos dizem que só dá para saber quem é o mais apto depois que ele sobrevive. Mas: sabemos que é possível um tipo de indivíduo ser mais abundante na espécie, mesmo se não for o mais apto. Esse é um processo puramente aleatório, de variação dos genótipos (seqüências de DNA) dentro das populações. É um processo chamado deriva genética. E não é um processo de seleção natural. Se você olhar para duas populações que começaram do mesmo jeito, uma delas poderá acabar diferente, por puro acaso, como num lance de dados. Isso elimina o argumento de que se trata de um raciocínio circular. Além disso, é possível prever qual organismo se sairá melhor num determinado ambiente. Em praticamente toda edição da revista Evolution há um exemplo do tipo, onde pegamos uma característica de um organismo, prevemos como ela pode ajudar a sobrevivência em um determinado ambiente, e depois vemos que esse é exatamente o caso. Não é preciso ser um gênio para entender que se há dois tipos de bactéria, e um deles é capaz de digerir uma substância e outro, não, se você colocá-los num ambiente com esse produto, um vai ganhar e o outro vai perder. Isso é evolução por seleção natural, e podemos prever seu resultado.

Também há quem diga que não é possível testar a evolução, para saber se ela está certa ou errada.

Isso também é falso. Vamos pegar a questão da evolução no esquema mais amplo, que é a proposição de que todos os organismos evoluíram, por descendência com modificações, de um ancestral comum. Eu e as árvores lá fora, e as bactérias em meu aparelho digestivo, todos viemos de uma única forma de vida ancestral que deu origem a toda a variedade atual. Isso ocorreu ao longo do tempo, a um ritmo determinado, é claro. Não dá para tirar um mamífero de uma bactéria de uma hora para a outra, deve haver passos intermediários. Então, entendemos que as formas de vida mais recentes não podem ter ocorrido muito cedo na história da evolução. Portanto, se você conseguisse encontrar fósseis de mamíferos, indisputáveis, de 400 milhões de anos, isso causaria muita dor e sofrimento, porque os biólogos diriam, não pode ser. Então, essa é uma observação possível, um teste, que forçaria a uma revisão completa da teoria da evolução.

O debate entre evolução e criacionismo, se evolução deve ser ensinada nas escolas, se o criacionismo deveria ser ensinado por professores de ciências, causa muita polarização, muita polêmica, desencadeia discussões apaixonadas. A evolução parece ser o único tema, no currículo de ciências, a provocar reações tão extremas. Por quê?

É precisamente porque as pessoas resistem muito à idéia de que surgimos por meio de um processo puramente material, a partir de outras formas de vida. É uma idéia que preocupa. É vista como uma ameaça à dignidade humana, talvez. E também uma ameaça às crenças religiosas, porque as crenças religiosas dizem que os seres humanos são muito especiais, foram deliberadamente criados por um Criador bondoso que se importa com elas. Enquanto que a explicação científica para a origem dos seres humanos entra em conflito com esse ponto de vista. Creio que é por isso que a evolução causa uma reação tão emocional.

Mas essa ameaça é real? O sentimento humano de ser protegido por um Criador onipotente está mesmo sob ameaça da teoria da evolução, ou se trata de um mal-entendido?

Creio que é possível aceitar a evolução totalmente e, ao mesmo tempo, preservar crenças religiosas e teológicas. E digo isso porque há milhões de pessoas que fazem isso. Incluindo inúmeros cientistas, que aceitam a religião, têm sentimentos religiosos, e aceitam as evidências a favor da evolução, incluindo a evolução da espécie humana. Um de meus melhores alunos de doutorado, que hoje é um biólogo evolucionista muito produtivo, é católico devoto e praticante. O papa anterior (João Paulo II) escreveu um documento dizendo que a evidência a favor da evolução é tão forte que a teoria deveria ser aceita como mais que pura especulação. No entanto, o papa disse que isso não significa que existe uma explicação biológica para a parte mais íntima do ser humano, a alma. Ele reserva uma parte para a religião. Creio que muitos líderes religiosos, e muita gente religiosa, não têm problema nenhum com a evolução. A Igreja Católica tem aceito a evolução há muito tempo. No entanto, é claro que isso significa que há certas afirmações específicas na Bíblia que não são literalmente compatíveis com a evolução. Mas também não são compatíveis com física, geologia, ou astronomia, ou nenhuma das outras ciências. Se você acredita que o mundo foi criado em seis dias, ou se acredita que o mundo foi criado há 100.000 anos, isso não é aceitável para astrônomos, geólogos ou físicos. Você tem de estar preparado para reinterpretar os textos religiosos, o que é exatamente o que os teólogos fazem. Bons teólogos não acreditam que tudo que aparece escrito nas versões em inglês, em português ou espanhol da Bíblia é para ser tomado exatamente como verdade literal.

Mas as religiões pararam de perseguir astrônomos há séculos, enquanto que professores de biologia ainda encontram problemas. A resistência às novas verdades científicas que vêm da biologia é maior por quê...?

É por causa do conteúdo emocional, eu acho. As pessoas não se preocupam muito se a física entra em conflito com a Bíblia, mas creio que, porque são humanas, elas se preocupam com a biologia. Mas eu gostaria de destacar que são apenas algumas lideranças religiosas, e algumas pessoas religiosas, que condenam a evolução. Nos países onde a maioria da população é católica, como Espanha, Portugal, ou na maior parte da América Latina, não há conflito. O conflito surge onde há versões fundamentalistas do cristianismo, que tomam a Bíblia literalmente. Mas isso não é um problema entre as religiões maiores, majoritárias. Há muitas pessoas que têm crenças religiosas e acreditam na evolução, incluindo cientistas. Mas elas são cuidadosas em separar uma coisa da outra. Elas defendem que há coisas que a ciência não deve fazer, há lugares onde a ciência não deve entrar, por exemplo, na questão dos valores, da ética, da moralidade, coisas sobre as quais a ciência não tem nada de útil a dizer, e onde não deveria se meter. Mas, em compensação, quando se tenta explicar o mundo natural, quando se tenta explicar as coisas que acontecem na natureza, com animais, plantas, rochas ou estrelas, ou átomos, a abordagem científica não pode admitir a religião. É preciso separar e manter separado. Porque quando se propõe que a ciência aceite explicações religiosas, aí você tem idéias que não podem ser testadas. Ao postular que algo foi causado por um ser sobrenatural, ninguém tem a menor idéia de como determinar se essa é uma explicação verdadeira ou falsa. E se você pode dizer que um ser sobrenatural é responsável por esse evento em particular, por exemplo, a origem dos seres humanos, então você pode dizer que ele é responsável por tudo, pelo terremoto que aconteceu na China. Gostaríamos de parar de tentar entender os terremotos, porque alguém disse que há uma causa sobrenatural? A ciência tem de se manter materialista em suas explicações, o que não significa que a visão de mundo do cientista tenha de ser materialista. O materialismo não cabe quando o assunto é amor, ou ética, mas quando tentamos entender o mundo natural, é essencial.

Mas há conflitos. A ciência pode informar as decisões morais. Para tomar uma decisão sobre certo e errado, você precisa de fatos, e os fatos têm de vir da ciência, do método científico.

Certamente. Mas não a decisão sobre o que é certo e errado. A ciência pode descrever o que ocorre com o óvulo, da fertilização até o nascimento, e pode dizer, talvez, quando o cérebro se forma, quando o cérebro está pronto e descrever outros aspectos do desenvolvimento do embrião, mas a ciência não pode lhe dizer se o aborto é moral ou imoral.

O uso de células-tronco extraídas de embriões humanos em pesquisas científicas causa muita polêmica no Brasil. O sr. acha que esse uso deve ser autorizado?

Minha opinião pessoal quanto a isso não tem mais peso que a de qualquer outra pessoa. Porque é só isso, a minha opinião. Se eu responder a essa pergunta, será uma resposta baseada em meus valores pessoais, não uma resposta científica. Eu sou um cientista, e não posso fazer uma afirmação científica sobre esse assunto. Posso falar sobre as conseqüências científicas de certas linhas de pesquisa. Posso dizer que, se tal e tal pesquisa for feita... e eu não sou um especialista em células-tronco, mas um biólogo com mais conhecimento dessa área poderia dizer... que se as pesquisas forem feitas, tal e tal tecnologia médica poderia se tornar viável . Mas esta seria uma declaração científica, que não é a mesma coisa que uma declaração de certo e errado. Certo e errado não pode ser uma afirmação científica.

Se o Brasil vier a viver uma radicalização como a que existe nos EUA em torno do ensino da evolução e do criacionismo, qual seria seu conselho aos cientistas e professores brasileiros?

Meu conselho seria que os cientistas venham a público, que tentem educar a população sobre essas questões. Eles têm de tentar explicar a diferença entre uma abordagem científica e uma abordagem não científica. Eles têm de tentar explicar às pessoas que dependemos da ciência para avanços tecnológicos com muitos resultados práticos. E essas aplicações não podem ser mais fortes do que o entendimento básico de ciência que temos a respeito do mundo natural. Os cientistas tem de enfatizar que os benefícios da ciência só virão se ensinarmos às pessoas como avaliar evidências. Em ciência, sempre que alguém faz uma afirmação, a resposta é: qual a sua evidência? Em ciência, suas afirmações são tão fortes quanto a evidência que se apresenta. Portanto, não podemos admitir uma afirmação para a qual não ha evidência concreta. É preciso que todos os cientistas tentem explicar às pessoas qual é a natureza da ciência, e manter a ciência separada da religião. Não para fazer pouco caso da religião. As pessoas têm sua liberdade de crença religiosa, mas precisam entender que isso tem de ficar do lado de fora da aula de ciências. Assim como a ciência deve ficar fora dos ensinamentos das igrejas sobre moralidade. Creio, ainda, que os cientistas devem fazer todo o esforço para contestar as alegações feitas por criacionistas. Então, se houver algum criacionista, algum defensor do design inteligente (movimento que propõe que a vida é complexa demais para ter surgido por meios estritamente naturais), alguma figura religiosa que vá à televisão para fazer alegações falsas sobre a evolução, então os cientistas devem procurar o canal de TV, a revista, ou o veículo que for, e dizer, não, isso é errado, não é o que entendemos do ponto de vista científico, e aqui está o que é correto, e eis o porquê. Meu outro conselho seria: não crie uma oposição entre ciência e religião. Há algumas pessoas no meu campo que são ateus bem agressivos. Você talvez já tenha ouvido falar em Richard Dawkins (biólogo britânico que defende a incompatibilidade entre ciência e religião. Seu livro mais recente é Deus, um Delírio)?

O senhor acha que a participação de cientistas, principalmente biólogos, em movimentos de difusão do ateísmo acaba prejudicando os esforços em favor do ensino das ciências?

Creio que, provavelmente, sim. E a razão disso é: se você diz às pessoas que elas devem escolher entre ciência e religião, que é impossível ter os dois, então as pessoas vão escolher a religião. Por quê? Porque traz mais satisfação emocional. Religião satisfaz necessidades muito profundas de muita gente. Negar às pessoas o conforto dessas crenças é muito contraproducente e, eu diria, muito cruel. Minha mensagem para os cientistas, então, seria: reconheçam a humanidade das pessoas. Tentem mostrar a elas que é possível conciliar o ponto de vista científico com o religioso, em vez de criar uma dualidade. Mas é claro que muitos religiosos, principalmente evangélicos fundamentalistas, insistem nessa dualidade. Insistem que é preciso escolher.

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