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Sanjuana Martínez, do jornal La Jornada
Conhecidos como os milionários de Cristo por causa de suas estreitas relações com a elite econômica, a expansão da congregação fundada por Marcial Maciel e impulsionada pelo Vaticano, funcionou como freio para a penetração da teologia da libertação na América Latina. "Atualmente, a Igreja Católica enfrenta dois inimigos", disse Maciel a seus devotos discípulos: "Os teólogos da libertação no interior e, externamente, aqueles que propagam ideias para levar os católicos ao paganismo".
Era maio de 1994, e Maciel desfrutava uma autêntica divinização ao seu redor. Mantinha o recrutamento das principais famílias de alta ascendência regiomontana [de Monterrey] há 50 anos, e, portanto, reunir três mil pessoas para ouvi-lo em sua última conferência pública foi fácil. Os clãs da oligarquia mexicana lhe prestavam reverência onde quer que fosse.
O fundador da Legião de Cristo propagava assim o plano de Karol Wojtyla para substituir os jesuítas e anular a teologia da libertação e sua dispersão nas comunidades de base populares. Foi uma ofensiva contra os teólogos progressistas do reformismo conciliar, que instaurou um modelo neoconservador na Igreja, que perdura com Bento XVI.
Maciel encontrou um terreno sumamente fértil para seus planos: a próspera cidade de Monterrey, um dos entornos mais conservadores do país, cuja alta sociedade, localizada no município de San Pedro Garza García, Nuevo León, pratica a filantropia quando se trata de expandir um modelo de cristianismo que coincide perfeitamente com sua visão empresarial e sua defesa dos "valores familiares" mais tradicionais.
Ali, Maciel incrementou, de forma paulatina e sistemática, uma fonte econômica que converteu a Legião de Cristo em um exitoso empório financeiro, cujo orçamento anual chega a mais de 650 milhões de dólares e constitui um verdadeiro pilar monetário para o Vaticano.
Como diz o empresário regiomontano Dionisio Garza Medina, irmão de Luis, vigário-geral da ordem: "A Legião é a única multinacional mexicana no mundo da religião".
As portas das famílias mais abastadas se abriram de par em par para receber Maciel, que coletava até 100 milhões de dólares anuais em doações. Seu lema era "cultivar, pedir e reconhecer".
Os jornais locais e suas páginas sociais da década de 80 dão conta das relações estreitas de Maciel com os Sada, Garza, Maldonado, Zambrano, Mugüerza, Fernández,Elizondo, Lagüera, Santos, Hinojosa, Salinas, Rocha, Treviño, González,Medina, Hernández, Canales, Páez, Clariond, Margáin, Lobo, Maíz, Stelzer,Barragán, García, Narro, Romo...
Em troca de suas generosas doações, Maciel não só lhes oferecia um espaço celestial, mas também coisas mais terrenas, como serviços religiosos opulentos. Celebrava seus batizados, bodas, primeiras comunhões, inaugurações de negócios, missas privadas...
"É a classe dominante, a elite que quer impôr uma visão do mundo concreta", diz em entrevista Alejandra Rangel de Clariond, escritora e promotora cultural.
"Essa gente representa uma linha conservadora, neoliberal, de direita ou extrema direita que acreditou em Maciel, de quem não acho que soubessem a respeito de sua vida dupla e de seus crimes. Quero pensar que esses empresários, se tivessem se dado conta do que ele fez, não o teriam apoiado. Mas não sei, porque eu não me envolvi nisso, nem meu esposo".
Em uma região onde a endogamia faz parte da concentração da riqueza, Maciel foi encontrando adeptos de geração em geração, que facilmente se entrelaçaram ao redor da congregação, que ele fundou como uma rede que incluía status social e econômico. Evangelizar os ricos foi fácil. Quase ninguém queria ficar de fora: ser legionário era, e continua sendo para muitos, símbolos de poder, dinheiro e bondade.
No entanto, Rangel de Clariond não coincide com essa visão elitista. Pertencente a uma família de classe alta, preferiu o caminho do compromisso com a justiça social e da luta para melhorar o nível de vida dos mais desfavorecidos e lamenta que os jesuítas tenham sido substituídos em Monterrey pelos legionários: "Essa ordem não tinha objetivos que me convencessem. Acredito que o trabalho pastoral deve ser dirigido para a exclusão, para a marginalização social, e não como os legionários, para estarem se vinculando com as classes altas e as elites. Eles têm todo o poder. O problema são os que não têm voz".
Entre os milionários sustentadores de Maciel e da Legião, destacam-se as famílias Garza Sada, dona da Vitro. Garza Lagüera, proprietária da Femsa; Garza Medina, doGrupo Alfa; Romo Garza, do Grupo Pulsar; Servitje Sendra, da Bimbo;Maldonado Elizondo, da Copamex; Gutiérrez Muguerza, donos da DeAcero;Canales Clariond, antigos donos da IMSA; Sada Zambrano, ex-proprietários daCydsa; Lankenau Rocha, do Grupo Financeiro Abaco-Confía; Elizondo Lozano, do Banco Serfin; Elosua Muguerza, da Lamosa; Elizondo Treviño, dos Seguros Monterrey; Santos de Hoyos, da Gamesa; Lobo Morales, da Arka, Zambrano Treviño, da Cemex...
"São muitos os que apoiaram Maciel e a Legião economicamente. Fizeram isso para limpar consciências. Pensavam que ganhariam o passe para o céu", diz Graciela Ríos, analista e consultora de empresas.
"No caso de que os grandes milionários soubessem das atrocidades desse senhor, acredito que a única opção é pensar que o justificaram, porque, no fim das contas, pensaram que havia benefícios com a obra e seus colégios, apesar dos desvios sexuais de Maciel. A maioria continua apoiando os legionários. Os únicos que já disseram não é aAltos Hornos de México [indústria siderúrgica], de Monclova".
Proeminentes homens de negócios competiam entre si para se relacionar com Maciel. Destacam-se Alfonso Romo Garza e sua esposa Maca Garza Lagüera Rangel; o ex-secretário da Economia Fernando Canales Clariond; Ricardo Salinas Pliego; o ex-governador de Nuevo León, Benjamín Clariond Reyes-Retana, que tem um filho padre legionário e uma filha Miss Consagrada... A maioria prefere agora guardar silêncio diante das revelações das aberrações cometidas pelo fundador da Legião.
"Como é possível que alguém como Maciel lhes tenha colocado o dedo na boca dessa forma, a eles que se passavam por homens brilhantes, inteligentes, empreendedores e grandes empresários... Pois bem, se sabiam e não queriam falar, é porque preferem a cumplicidade diante da corrupção e dos desvios sexuais de Maciel", comenta Ríos.
E acrescenta: "Me dá pena aqueles que não têm dinheiro, a classe média, cuja bandeira era crer na santidade de Maciel e apostaram sua imagem e seu prestígio em louvar um delinquente e ficaram no pior dos ridículos, sem credibilidade. Os empresários e milionários, no fim das contas, investem em coisas que às vezes lhes dão ganhos e outras não".
Irma Salinas Rocha oferece sua visão das fortunas de Monterrey e seus investimentos no livro "Nostro grupo": "Cedo ou tarde se cumpre e se cumprirá a lei inexorável da eliminação. Ela não falha. Atrás de cada fortuna, há um grande crime". (A tradução de Moisés Sbardelotto, para o IHU)
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