Íntegra da decisão do Gilmar Mendes, do STF, que concede habeas corpus ao médico Roger Abdelmassih
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MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 102.098 SÃO PAULO
PACTE.(S) : ROGER ABDELMASSIH
IMPTE.(S) : MÁRCIO THOMAZ BASTOS E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO: Cuida-se de habeas corpus impetrado por Marcio Thomaz Bastos e outros em favor de ROGER ABDELMASSIH, contra ato da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, consistente em, por maioria de votos, denegar o writ lá impetrado sob nº 148.988/SP.
A impetração denegada pelo STJ, por sua vez, objetivava a revogação da prisão preventiva do paciente, mantida pela 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, a qual, também por maioria, denegou a ordem lá impetrada face ao decreto do juízo de direito da 16ª Vara Criminal de São Paulo/SP.
Esclarecem os impetrantes que, ante o julgamento do HC pela Corte ora impetrada, ocorrido em 24 de novembro de 2009, em três oportunidades encaminharam petições solicitando urgência na lavratura e publicação do acórdão, não logrando êxito, razão pela qual a presente impetração encontra-se instruída apenas com a certidão de julgamento e o voto vencido do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Afirmam não haver elementos concretos que justifiquem o encarceramento provisório do paciente, realçando que o argumento central adotado pelo juízo, qual seja, o de risco de reiteração da conduta, já se encontra superado, pois o paciente teve seu registro profissional cautelarmente suspenso pelo Conselho Regional de Medicina em 18 de agosto de 2009.
Mencionam que o fato de pesar contra o paciente a acusação de haver praticado 56 crimes sexuais, narrados como “estupro”, incendiou a opinião pública, criando um prejulgamento do feito. Acrescentam, ainda, que, ao presumir violência real em “tentativa de beijo”, o Ministério Público findou por substituir as supostas vítimas, agindo de ofício, não obstante a determinação à época dos fatos contida no art. 225 do Código Penal, fazendo a persecução penal depender de queixa.
Requerem liminar e final concessão de ordem que reconheça a ilegalidade da ordem de prisão preventiva, expedindo-se alvará de soltura em favor do paciente.
Passo a decidir.
Ao decretar a prisão preventiva do paciente, em 17 de agosto de 2009, o Juízo da 16ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP adotou os seguintes fundamentos:
“Os crimes imputados ao acusado são punidos com reclusão e há, como acima já exposto, prova da materialidade e indícios suficientes de autoria.
Além disso, narra a denúncia a prática de 56 (cinqüenta e seis) crimes de estupro o que, em tese, demonstra habitualidade na prática delitiva por parte do indiciado.
Além disso, a narrativa das vítimas é semelhante e indica que ROGER ABDELMASSIH estaria utilizando sua clínica para abusar da sua condição de renomado médico geneticista e constranger suas pacientes a degradantes atos de conotação sexual.
Os fatos tratados perduram no tempo e indicam que o denunciado estaria lesando inúmeras mulheres e, segundo notícia dos autos, continua no exercício de seu mister, o que demonstra a periculosidade da sua manutenção em liberdade.
Ressalte-se que vários dos delitos aqui tratados se referem a relatos de vítimas que sofreram abusos sexuais enquanto estavam sob efeito de sedativos ministrados pelo acusado, o que aponta o possível desvio da atividade médica por ele desenvolvida.
O feito terá sua regular instrução e o denunciado poderá fazer amplo uso do seu direito constitucional de ampla defesa para apresentar as provas que entender pertinentes a fim de provar sua alegada inocência.
Todavia, a gravidade dos fatos aqui tratados, a personalidade do réu, que parece ser distorcida no que pertine à lascívia, e a potencialidade de que inúmeras outras mulheres possam vir a sofrer toda sorte de abusos por parte de ROGER ABDELMASSIH, indicam a necessidade de decretação de sua custódia cautelar, para garantia da ordem pública.
Nesse sentido decide o E. Tribunal de Justiça de São Paulo:
(...).
Impossível negar que a anutenção da liberdade do indivíduo acusado de reiterada prática de crimes de estupro – alguns inclusive com violência física – e que estaria fazendo uso de sua clínica médica para abusar sexualmente de mulheres, representa perigo para o convívio social, razão pela qual a decretação de sua prisão preventiva é imperiosa.
A necessidade de afastamento do denunciado do meio social é latente, em face da possibilidade de reiteração de práticas criminosas contra vítimas incautas que vierem a procurá-lo acreditando na sua capacidade médica.
Cito outra decisão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo que também guarda relação com o caso aqui analisado: (...).
O C. Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou em caso semelhante ao presente, envolvendo professor que era acusado de, prevalecendo-se de sua condição, abusar sexualmente de suas alunas.
Decidiu aquela Corte superior que: (...).
Aqui estamos diante de situação análoga, vez que o réu, em liberdade, poderia, em tese, persistir na reiteração criminosa que lhe é imputada, vitimando mulheres que estejam submetidas a tratamento em sua clínica, o que indica, como retro já exposto, a necessidade da restrição corporal para garantia da ordem pública.
Portanto, DEFIRO o requerido pelo Ministério Público e DECRETO a prisão preventiva de ROGER ABDELMASSIH. Expeça-se mandado de prisão.
Dispõe o art. 312 do Código de Processo Penal:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Nota-se, de pronto, o caráter taxativo que cerca os requisitos da prisão preventiva, a qual somente poderá ser decretada para as seguintes finalidades:
a)garantia da ordem pública ou econômica;
b)conveniência da instrução criminal;
c)assegurar a aplicação da lei penal.
Advirta-se que não basta ao juízo simplesmente invocar a presença de algum desses requisitos para que, validamente, possa expedir o decreto prisional. Deverá, para além disso, identificar situação concreta que demonstre a imprescindibilidade da medida extrema.
Entretanto, e como tenho observado em relação a diversos decretos de prisão preventiva, constato, mais uma vez, o uso de argumentos puramente especulativos, expondo simples convicção íntima do magistrado, o qual externa sua crença na necessidade de garantia da ordem pública com base na gravidade dos mesmos supostos fatos delituosos atribuídos ao paciente e tendo em vista, na essência, a possibilidade de “...reiteração de práticas criminosas contra vítimas incautas que vierem a procurá-lo acreditando na sua capacidade médica.”
Sem a demonstração de fatos concretos que, cabalmente, demonstrem a persistência dos alegados abusos sexuais, em momento posterior à deflagração do procedimento investigatório, a prisão preventiva revela, na verdade, mero intento de antecipação de pena, repudiado em nosso ordenamento jurídico.
Nesse sentido, transcreva-se trecho da ementa do HC no 74.666/RS, da relatoria do Ministro Celso de Mello:
“ [...] - A privação cautelar da liberdade individual
– por revestir-se de caráter excepcional – somente deve
ser decretada em situações de absoluta necessidade.
A prisão preventiva, para legitimar-se em face do sistema jurídico, impõe – além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência do crime e indício suficiente de autoria)
– que se evidenciam, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. Precedentes.
[...]” - (HC nº 74.666/RS, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, unânime, DJ 11.10.2002).
Conforme também expus em meu voto por ocasião do julgamento do HC nº 91.386/BA, tenho que:
“Na linha da jurisprudência deste Tribunal, porém, não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos pelo art. 312 do CPP.
De fato, a tarefa de interpretação constitucional para a análise de excepcional situação jurídica de constrição da liberdade dos cidadãos exige que a alusão a esses aspectos estejam lastreados em elementos concretos.
(...) Com relação ao tema da garantia da ordem pública, faço menção à manifestação já conhecida desta Segunda Turma em meu voto proferido no HC nº 88.537/BA e recentemente sistematizado nos HC’s 89.090/GO e 89.525/GO acerca da conformação jurisprudencial do requisito dessa garantia. Nesses julgados, pude asseverar que o referido requisito legal envolve, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas
as possibilidades normativas de sua aplicação judicial, as seguintes circunstâncias principais:
i) a necessidade de resguardar a integridade
física ou psíquica do paciente ou de terceiros;
ii) o objetivo de impedir a reiteração das
práticas criminosas, desde que lastreado em
elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e iii) associada aos dois elementos anteriores, para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do poder judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal.
A jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de que a liberdade de um indivíduo suspeito da prática de crime somente pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, ou na gravidade do crime. Nesse sentido arrolo os seguintes julgados de ambas as Turmas:
‘HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E
PRIVILEGIADO. CONDENAÇÃO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI EM SEDE DE APELAÇÃO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR FUNDADA NO CLAMOR SOCIAL E NA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES. EXCESSO DE PRAZO. 1. O clamor social e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal do Júri. 2. A prisão processual, pela excepcionalidade que a caracteriza, pressupõe inequívoca demonstração da base empírica que justifique a sua necessidade, não bastando apenas aludir-se a qualquer das previsões do art. 312 do Código de Processo Penal. 3. Hipótese, ademais, em que se configura o constrangimento ilegal pelo excesso de prazo da instrução criminal, que não pode ser atribuído à defesa. Ordem concedida’ – (HC nº 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 22.10.2004).
‘HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO
PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E
CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE. 1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade do crime. Remanesce, sob tal fundamento, a necessidade da medida excepcional da constrição cautelar da liberdade face à demonstração da possibilidade de reiteração criminosa. 2. Prisão cautelar por conveniência da instrução criminal. A retirada de documentos do Juízo pelo paciente e a destruição deles na residência de sua ex-esposa, sem a oitiva do Ministério Público, autorizam a conclusão de que sua liberdade traduz ameaça ao andamento regular da ação penal. Merece relevo ainda a assertiva do Procurador-Geral da República de que ‘dentre outros fundamentos, foi considerado o fato relevantíssimo de o Paciente ser um dos mentores da organização criminosa, dispor de vários colaboradores, com fácil trânsito nos mais diversos meios, o que poderia facilitar a corrupção de agentes, funcionários, testemunhas, tudo com o objetivo de prejudicar o regular andamento do processo criminal’. Ordem denegada’ – (HC nº 86.175/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 10.11.2006).
‘1. PRISÃO PREVENTIVA. Medida cautelar. Natureza instrumental. Sacrifício da liberdade individual. Excepcionalidade. Necessidade de se ater às hipóteses legais. Sentido do art. 312 do CPP.
Medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, a prisão preventiva deve ordenar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua função meramente instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de eventual provimento definitivo de caráter condenatório, bem como perante a garantia constitucional da proibição de juízo precário de culpabilidade, devendo fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a autorizem.
2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito, a título de garantia da ordem pública. inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que, a título de necessidade de garantir a ordem pública, se funda na gravidade do delito.
3. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na necessidade de restabelecimento da ordem pública, abalada pela gravidade do crime. Exigência do clamor público. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado no clamor público para restabelecimento da ordem social abalada pela gravidade do fato.
4.AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Júri. Prisão preventiva. Decreto destituído de fundamento legal. Pronúncia. Silêncio a respeito. Contaminação pela nulidade. Precedentes. Quando a sentença de pronúncia se reporta aos fundamentos do decreto de prisão preventiva, fica contaminada por eventual nulidade desse e, a fortiori, quando silencie a respeito, de modo que, neste caso, é nula, se o decreto da preventiva é destituído de fundamento legal.
5. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Motivação ilegal e insuficiente. Suprimento da motivação pelas instâncias superiores em HC. Acréscimo de fundamentos. Inadmissibilidade. Precedentes. HC concedido. Não é lícito às instâncias superiores suprir, em habeas corpus ou recurso da defesa, com novas razões, a falta ou deficiência de fundamentação da decisão penal impugnada’ – (HC nº 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, maioria, DJ 24.11.2006) (HC no 91.386/BA, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, sessão de 19 de fevereiro de 2008).
Efetivamente, ao decretar a prisão preventiva, o juízo da origem não indicou elementos certos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade da prisão cautelar do ora paciente.
Cabe transcrever, nesse tópico, as lúcidas ponderações do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em seu voto vencido manifestado no julgamento do habeas corpus cuja denegação, por maioria, é aqui questionada:
Aproveito a oportunidade deste julgamento, para relembrar que a constrição cautelar antecipada, é sempre medida de todo excepcional, sendo inaceitável que a gravidade do crime imputado à pessoa seja suficiente para justificar a sua segregação, antes de a decisão condenatória penal transitar em julgado, em face do princípio da presunção de inocência, não há neste momento, por conseguinte, nenhuma apreciação ou manifestação de qualquer juízo quanto aos aspectos substantivos da Ação Penal, como é óbvio; essa ação dever prosseguir normalmente até o seu desfecho.
Tal aspecto foi também identificado pelo Desembargador Marco Antonio Marques da Silva, em voto vencido externado no julgamento do habeas corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Confira-se:
Não resta dúvida de que os delitos imputados, em tese, ao paciente são graves, hediondos, e teriam vitimado grande número de mulheres ao longo de vários anos. Entretanto, a prisão provisória não pode ser pautada em único elemento, sendo necessária a verificação e, sobremaneira, a demonstração de sua imprescindibilidade.
A prisão cautelar é medida excepcional, que se apoia em fatos concretos, com fundamentos claros e robustos, jamais em hipóteses ou possibilidades não demonstradas nos autos.
Neste caso, o acusado esteve solto durante toda a fase investigatória e, sempre que solicitado, atendeu ao chamamento. Destaco que o paciente é pessoa de posses e poderia, com certa facilidade, ter empreendido fuga durante a fase administrativa se tivesse a intenção de se furtar a eventual aplicação da Lei Penal, ou mesmo dificultar a apuração dos delitos que lhe são imputados.
Quanto à hipótese de que, em liberdade, poderia o paciente reiterar na suposta prática delituosa, por manter sua atuação na clínica em que ocorridos os fatos objeto da ação penal, assenta-se o argumento em mera especulação, sem mínima base fática que, de forma idônea, demonstre efetiva reiteração em momento
posterior ao início da persecução penal, como já exposto. Nesse ponto, é interessante observar que a precariedade de tal argumento mostrou-se implicitamente aceita pelo próprio Ministério Público, o qual, ao requerer o decreto de prisão preventiva, formulou pedido alternativo ao juízo, pleiteando o simples afastamento do paciente da atividade médica caso desacolhido o pleito de encarceramento provisório.
Essa constatação não escapou ao exame do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no já mencionado julgamento do HC perante o STJ, assim analisando a matéria:
Destaco que o MP de primeiro grau, no tocante à constrição do paciente, formulou pedido alternativo, fundado no poder geral de cautela do Juiz, consubstanciado no afastamento do denunciado de suas atividades clínicas, uma vez que as condutas teriam sido praticadas durante a atuação médica.
Essa circunstância, a meu sentir, me demonstra que a convicção ministerial quanto à necessidade da prisão preventiva do paciente não era, pelo menos naquela altura, algo que se pudesse dizer sólido e firme, e tanto é verdade que sugeriu a alternância acima apontada.
De qualquer forma, o exame dos autos deixa claro que, em 18 de agosto de 2009, o Conselho Regional de Medicina suspendeu o registro profissional do paciente (fl. 2.280, Apenso nº 10).
Sobre isso, assim manifestou-se o Subprocurador-Geral da República Jair Brandão de Souza Meira, em parecer inicialmente apresentado nos autos do mesmo HC contra cujo julgamento volta-se o presente writ.
Na hipótese dos autos, embora seja inquestionável a gravidade dos crimes, a possibilidade de que venha o paciente a praticar novos delitos da mesma natureza encontra-se afastada, diante da decisão do Conselho Regional de Medicina, proferida após o decreto prisional, em 18/08/2009, que o interditou do exercício profissional (fl. 2330).
Ora, todos os delitos de abuso sexual aqui versados foram cometidos numa clínica de fertilização, no exercício da profissão de médico, contra clientes atendidas, à exceção de uma funcionária que teria sido assediada, revelando, de fato, a possibilidade de reiteração da conduta, se continuasse, em liberdade, a exercer a medicina.
Contudo, a suspensão do exercício profissional, decretada pelo Conselho Regional de Medicina, superveniente ao decreto prisional, por si só, inibe a possibilidade de voltar o paciente a delinquir, nos moldes como houvera alvitrado o decisum.
Em igual sentido, o já referido voto prolatado pelo Desembargador Marco Antônio Marques da Silva, que assim delineou a questão:
Além disso, a argumentação de que se mantido em liberdade voltará à prática criminosa não se sustenta, já que teve seu registro no Conselho Regional de Medicina suspenso. Por outro lado, diante da grande propagação dos fatos na mídia, é pouco provável que outras mulheres submetam-se a ele, ou silenciem em caso de novas condutas delitivas Resulta definitivamente afastada, portanto, a possibilidade de reiteração, temida pelo juízo monocrático, de supostos abusos sobre clientes do paciente, não mais se justificando a mantença da custódia provisória.
Em suma:
a) Sem a demonstração de fatos concretos que, cabalmente, demonstrem a persistência dos alegados abusos sexuais, em momento posterior à deflagração do procedimento investigatório, a prisão preventiva revela, na verdade, mero intento de antecipação de pena, repudiado em nosso ordenamento jurídico;
b) ao decretar a prisão preventiva, em 17 de agosto de 2009, o juízo da origem não indicou elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade da prisão cautelar do ora paciente;
c) o argumento de que, em liberdade, poderia o paciente voltar a cometer a mesma espécie de delito em sua atividade profissional assenta-se em mera especulação, sem mínima base fática que, de forma idônea, demonstre efetiva reiteração em momento posterior ao início da persecução penal;
d) a precariedade de tal argumento mostrou-se implicitamente aceita pelo próprio Ministério Público, o qual, ao
requerer o decreto de prisão preventiva, formulou pedido alternativo ao juízo, pleiteando o simples afastamento do paciente da atividade médica caso desacolhido o pleito de encarceramento provisório;
e) o exame dos autos deixa claro que, em 18 de agosto de 2009, o Conselho Regional de Medicina suspendeu o registro profissional do paciente, afastando a possibilidade de reiteração temida pelo juízo monocrático, nada mais justificando, assim, a manutenção da custódia provisória.
Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar, determinando ao Juízo da 16ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo-SP providências imediatas tendentes à soltura do paciente, se por outro motivo não estiver preso.
Comunique-se.
Publique-se.
Brasília, 23 de dezembro de 2009
Ministro GILMAR MENDES
Presidente
(RISTF, art. 13, VIII)
> STF manda soltar médico acusado de violentar 56 pacientes. (23 de dezembro de 2009)
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