Relatório confirma que guerrilheiro teve filho com moradora da região
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Leonencio Nossa, do Estado de S. Paulo
No começo de 1975, quando os militares deixaram o Araguaia, moradores de São Geraldo e Xambioá, cidades separadas pelo rio, começaram a contar que o guerrilheiro Osvaldo Orlando Costa, o Osvaldão, deixou um filho no Pará.
Nenhum militar, no entanto, confirmou que o nome mais famoso da luta armada na Amazônia tenha deixado um herdeiro. É um desses casos que sustentam as conversas de final da tarde, na beira do rio, por barqueiros e lavadoras de roupa.
No arquivo do agente da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, duas linhas de um manuscrito confirmam a existência do filho do Osvaldão e dão início à história do garoto sequestrado durante os combates.
Na página seis de um relatório sobre o apoio de moradores de Xambioá à guerrilha está o nome de Maria Castanheira, a mãe do filho do guerrilheiro. "Moradora em Xambioá. Foi mulher de Osvaldão, de quem tem um filho", destaca o documento. Maria Castanheira era Maria Viana, mãe do bebê Giovane e dona de um restaurante no garimpo de Itamirim, onde conheceu Osvaldão.
O Estado entregou cópia do manuscrito para um filho dela e irmão de Giovane, o barqueiro Antônio Viana, o Zezinho, 42 anos. O nome de Maria não está nos livros de cartórios. Foi a primeira vez que Zezinho viu o nome da mãe escrito num documento, especialmente num registro militar. "Ela era chamada de Maria da Tomasa, Mariona, Maria Castanheira, Maria do Osvaldão. Mas mesmo com tantos nomes nunca encontrei registros dela", disse Zezinho.
Ao perceber a chegada das tropas em 1972 para combater a guerrilha, Maria e os filhos Zezinho, à época com seis anos, e Giovane, bebê, desceram o Araguaia para avisar e encontrar Osvaldão. Depois de um rápido encontro com o guerrilheiro, Maria e os filhos fugiram para Araguaína. Os militares foram atrás da família e acabaram tirando Giovane das mãos da mãe. Maria morreu semanas depois de infarto.
Zezinho foi criado por uma família de São Geraldo do Araguaia. Durante a sua infância e adolescência, o menino costumava se recolher quando ouvia as pessoas contarem a história.
Nos anos 1980 e 1990 chegaram os repórteres e pesquisadores atrás de histórias da guerrilha, em ciclos como os que caracterizam a febre de malária. De Osvaldo, o padrasto, Zezinho lembra pouco. Ficou apenas uma imagem pouco nítida.
Nos últimos anos, diminuiu o número de pessoas atrás de sua história - que praticamente tinha voltado a virar lenda.
Por conta própria, ele continuou a investigar o paradeiro de Giovane. Desde criança, Zezinho ouve dos moradores mais antigos que o bebê sequestrado foi adotado por um militar. Não há provas.
A adoção de filhos de guerrilheiros por agentes da repressão foi muito comum durante a ditadura militar argentina (1976-1983). Em Buenos Aires há até associação de avós que buscam os netos adotados pelos repressores.
Pai de dois filhos, o barqueiro hoje tem outras preocupações. Zezinho, que fatura de R$ 1.500 a R$ 2 mil por mês no transporte de pessoas no Araguaia, já pensa em uma alternativa de renda. O governo anunciou que pretende construir uma ponte ligando Xambioá a São Geraldo do Araguaia, a rota que faz todos os dias.
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