O que significa dia-multa
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por Giancarlo Teixeira Priante, bacharel em Direito, técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará
1. Pena de multa: conceito, características, finalidade e importância.
Segundo Sebastian Soler, "pena é uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através da ação penal, ao autor de uma infração, como retribuição de seu ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico e cujo fim é evitar novos delitos1."
Outrossim, há de se afirmar que, em conformidade com a tendência de adoção de políticas criminais mais humanitárias, onde se destaca a corrente denominada "Nova Defesa Social" de Marc Ancel, a finalidade precípua de qualquer sanção criminal deve ser a readaptação do condenado à sociedade.
Na multa - uma das espécies de pena previstas na nossa legislação e consistente em diminuição patrimonial do criminoso revertida em favor do Fundo Penitenciário - este importante elemento ressocializador não desponta tão cristalino, restando o escopo suplementar de imposição de castigo, nítido caráter de ressarcimento à sociedade, além de considerável fator inibitório de cometimento de novos delitos.
Os defensores de sua aplicação apregoam suas vantagens, tais como eficiente punição à cupidez e ganância motivadoras de determinados delitos, menor onerosidade ao aparelho repressivo estatal e, nos casos em que aplicada como substituição à pena privativa de liberdade, afastar o condenado das prisões, hodiernamente verdadeiras escolas de ensino e aperfeiçoamento da conduta criminosa.
2. Cálculo da pena de multa no Código Penal. Adoção do método trifásico.
A pena de multa pode ser cominada como sanção principal, alternativa ou cumulativamente com a pena privativa de liberdade ou aplicada em substituição desta2.
Abandonando o antigo sistema de tarifamento, a reforma do Código Penal, levada a efeito em 1984, adotou o critério do dia-multa, devendo o seu montante ser calculado de acordo com a nova redação do disposto no art. 49 e §§:
1º Passo: Arbitra-se o número de dias-multa, o qual não poderá ser menor que 10 (dez) e nem maior que 360 (trezentos esessenta) dias-multa;
2º Passo: Calcula-se o valor do dia-multa, que deverá estar compreendido entre os limites de um 1/30 (um trigésimo) e 05 (cinco) vezes o valor do salário mínimo;
3º Passo: Chega-se ao montante da pena de multa, multiplicando-se o número de dias-multa pelo valor do dia-multa.
Saliente-se que não há nenhuma divergência doutrinária ou jurisprudencial quanto ao cálculo do valor do dia-multa (segundo passo). O mesmo deve ser calculado de acordo com capacidade econômica do infrator.
Todavia, em relação ao número de dias-multa, não há entendimento pacífico no tocante à possibilidade da dosimetria do mesmo com esteio na culpabilidade do delinqüente. Há três orientações:
1ª orientação: Tal qual o arbitramento do valor do dia-multa, há de se levar em consideração somente a capacidade econômica do condenado. Quanto maior esta for, tanto maior será o número de dias-multa. Para os seus defensores, não se deve perquirir acerca da culpabilidade do infrator para imposição desta espécie de pena;
2ª orientação: O quantum de dias-multa deve ser calculado de acordo com a culpabilidade do agente, levando-se em conta apenas as circunstâncias judiciais contidas no caput do art. 59 do Código Penal, ou seja, o correspondente à primeira fase do método trifásico;
3ª orientação: Para cálculo do número de dias-multa, adota-se integralmente o critério trifásico disposto no art. 68 do Código Penal e aplicado no cálculo da pena privativa de liberdade. Desta forma, a partir do mínimo cominado em abstrato (10 dias-multa), o juiz fixará um número base de dias-multa, levando em consideração as circunstâncias judiciais3 (art. 59, caput, CP). Posteriormente, verificará a ocorrência de agravantes (art. 61 e 62 do CP) e atenuantes genéricas (art. 65 e 66 do CP) e, por último, tornará a quantidade de dias-multa definitiva, fazendo incidir as causas de diminuição e aumento de pena dispersas tanto na Parte Geral, quanto na Parte Especial do diploma mencionado.
A primeira corrente, minoritária, em que se perfilha Fernando Capez4, entende que o único critério a ser verificado pelo prudente arbítrio do juiz na fixação da quantidade dos dias-multa deve ser a situação econômica do réu.
Contudo, tal entendimento pode levar à imposição de multas elevadas e desproporcionais a autores de infrações de pouca ofensividade, simplesmente por serem os mesmos possuidores de consideráveis recursos financeiros.
A segunda corrente, na qual está incluído o Professor Damásio de Jesus, pugna pela idéia de que, conquanto o critério para fixação do quantum seja a culpabilidade do agente, deve ser afastado do cálculo a incidência das "genéricas" e causas de aumento e diminuição de pena.
Pode-se criticar esta equivocada posição com o seguinte exemplo: duas pessoas, de igual capacidade econômica e cujas circunstâncias objetivas e subjetivas de suas condutas ilícitas (previstas no art. 59 do CP) em tudo se assemelham, praticam delitos idênticos em contextos fáticos diversos, sendo que um deles repara o dano voluntariamente até o recebimento da denúncia5. Consoante os adeptos da segunda orientação, analisadas apenas as circunstâncias judiciais, os dois teriam a mesma pena de multa prolatada nas suas respectivas sentenças condenatórias!
Para evitar tais aberrações, que se consubstanciam em afronta aos princípios constitucionais da isonomia e da individualização da pena, é forçoso concluir que a terceira corrente é a que melhor se coaduna com os anseios de distribuição de justiça.
O julgador, diante dos fatos e provas apresentados e colacionados ao processo, com esteio no seu livre convencimento motivado, tem a árdua tarefa final de fixar a pena. Contudo, tal atividade necessita de um norte, de um parâmetro respaldado pela lei para dar a cada um o quantidade correta da reprimenda a ser imposta pelo Estado ao infrator (concreção do princípio constitucional da individualização da pena).
Dessarte, a baliza do juiz, propulsor da justiça, só pode e deve ser o método trifásico idealizado por Nélson Hungria, o único que distribui de forma justa a aplicação da pena ao caso concreto e, vale dizer, inclusive a de multa.
3. Pena de multa no Código Eleitoral. Peculiaridades.
O art. 286 do Código Eleitoral traça disposições genéricas para a aplicação da pena de multa nos crimes previstas em seu texto.
O caput do citado artigo preceitua que a quantidade de dias-multa é de, no mínimo, 01(um) dia-multa e, no máximo, 300 (trezentos) dias-multa. Acrescente-se que, no Código Eleitoral, a pena pecuniária não é cominada de forma indeterminada como no CP, sendo a sanção prevista dentro de um intervalo mínimo e máximo de dias-multa.
O § 1º, por sua vez, trata do valor do dia-multa, o qual deve ser fixado segundo o prudente arbítrio do juiz, levando-se em conta as condições pessoais e econômicas do condenado e tal valor não pode ser inferior a 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo, nem superior ao valor de 01(um) salário-mínimo mensal. Dessume-se, pois, que a culpabilidade do infrator foi desconsiderada para o cálculo da pena pecuniária.
Restam patentes as distinções entre os dois textos legais em tela, quanto à cominação e a aplicação da pena de multa. E não há de se discordar da plena vigência dos referidos dispositivos da Lei 4.737/65. O art. 12 do Código Penal afirma que "as regras gerais deste Código [penal] aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso". De fato, conquanto o Código Eleitoral não possua parte geral própria, tal como ocorre na Lei das Contravenções Penais ou no Código Penal Militar, os comandos insertos no art. 286 e §§ são normas gerais de aplicação restrita à referida lei.
4. Conclusões.
Diante do ordenamento atualmente vigente, o sistema mais adequado às necessidades de uma política criminal inibitória de delinqüência, com fins de aplicação da sanção pecuniária, é o de dias-multa, o qual correlaciona o quantum a ser pago pelo condenado à remuneração pelo seu trabalho diário.
O correto critério para a fixação da quantidade de dias- multa é o critério trifásico, já que desta forma se chega a aplicação de uma pena individualizada, mais justa, baseada na culpabilidade e atenta aos princípios constitucionais.
O Código Eleitoral não considera a culpabilidade para fixação da pena de multa, mas tão somente a capacidade econômica do condenado. Por conseguinte, já que ojulgador não pode verificar as particularidades psicossocioculturais do infrator, o referido Estatuto não permite a distribuição da pena de forma eqüitativa, abrindo caminho para injustiças e reprimendas destoantes.
Acrescente-se que o mesmo diploma comina a pena de multa de forma determinada, dentro de limites máximo e mínimo, os quais acabam por restringir ainda mais a atividade de dosagem da pena por parte do magistrado.
Por fim, há de se concluir que já é tempo, tendo em vista as mudanças surgidas com a supramencionada reforma de 1984, de semelhante revisão do Código Eleitoral no tocante à cominação da multa, adequando-o para uma correta e justa concreção da tarefa estatal de punir.
5. Notas
1. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2001. p. 246.
2. O art. 60, § 2 º do Código Penal dispõe sobre a substituição da pena privativa de liberdade pela pena de multa: "A pena privativa de liberdade aplicada, não superior a 6 (seis) meses, pode ser substituída pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44 deste Código".
3. São circunstâncias judiciais: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, os motivos, circunstâncias e conseqüências do crime e ocomportamento da vítima.
4. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1. p. 381.
5. No caso, restaria configurado o arrependimento posterior, causa de diminuição de pena levada em consideração na terceira fase do método trifásico. Preceitua o art. 16: "Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços".
6. Bibliografia.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17. ed. rev. e atual. até outubro de 2000. São Paulo: Atlas, 2001. 453 p.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1 603 p.
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Comentários
Como que o valor de dias-multa não pode ser superior a 360 se no no capítulo II do Título IV da lei anti-drogas estipula o valor de 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa?
ResponderExcluirFonte: http://www.dji.com.br/leis_ordinarias/2006-011343/2006-011343-33-47.htm
Coleguinha, a lei anti-drogas é uma lei específica sobre o assunto e o CP possui as normas gerais de aplicação de multa. Portanto, pelo princípio da especialidade, deve-se obedecer a lei de drogas quando o agente é enquadrado em seus artigos.
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