A IA está prestes a alterar radicalmente as estruturas de comando militar que não mudaram muito desde o exército de Napoleão

Apesar de dois séculos de evolução, a estrutura de um estado-maior militar moderno seria reconhecível por Napoleão. Ao mesmo tempo, as organizações militares têm lutado para incorporar novas tecnologias à medida que se adaptam a novos domínios — ar, espaço e informação — na guerra moderna. Benjamin Jensen professor de Estudos Estratégicos na Escola de Combate Avançado da Universidade do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos The Conversation plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas O tamanho dos quartéis-generais militares aumentou para acomodar os fluxos de informação e os pontos de decisão expandidos dessas novas facetas da guerra. O resultado é a diminuição dos retornos marginais e um pesadelo de coordenação — muitos cozinheiros na cozinha — que corre o risco de comprometer o comando da missão. Agentes de IA — softwares autônomos e orientados a objetivos, alimentados por grandes modelos de linguagem — podem automatizar tarefas rotineiras da equipe, redu...

Exército ensinou tortura a estrangeiros

Durante a ditadura, mais de cem oficiais de outros países foram treinados em técnicas de tortura e combate à guerrilha em Manaus. Atualmente, guerreiros de selva são treinados para atuar contra guerrilha das Farc, narcotráfico, garimpo e desmatamento na região


exercito_tortura CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA (enviado especial a Manaus) -
Desde sua criação em 1966, o Cigs (Centro de Instrução de Guerra na Selva), em Manaus, treinou 381 oficiais estrangeiros. Desse total, pelo menos 103 se formaram entre 1966 e 1985, período em que o local serviu ao ensino de técnicas de tortura e combate à guerrilha.

A Folha obteve a lista dos militares e conseguiu reconstruir a história de alguns deles, após passagem pelo Brasil. Apesar dos registros escassos, foi possível identificar, entre os ex-alunos, assassinos condenados, cúmplices de genocídio e acusados de tortura.


Vários deles complementaram sua formação na Escola das Américas, no Panamá, conhecida por preparar repressores que atuaram nas ditaduras latino-americanas. Na sede do Cigs, os nomes de alunos e comandantes do passado são reverenciados, constando de placas de madeira que adornam a parede de um pátio interno.


Em memória de Jorge Teixeira (o Teixeirão) -que fundou o Cigs meses depois de fazer curso de guerra na selva no Panamá- foi construído um museu, com relíquias do ex-militar que fez carreira política na região. Teixeira foi governador de Rondônia e prefeito de Manaus. Morreu em 1987.


Na lista dos graduados de 1978 do Cigs está o coronel francês Didier Tauzin. Em 1994, Tauzin liderou a chamada operação Chimère, com a qual treinou secretamente oficiais hutus no combate às guerrilhas tutsis em Ruanda. O confronto étnico resultou num genocídio, com 800 mil vítimas.


O capitão chileno Rodrigo Pérez Martínez foi um dos formandos da turma de 1985. Dois anos depois de se graduar em Manaus, ele comandou no Chile a operação Albânia, que no feriado de Corpus Christi capturou e executou 12 membros da Frente Patriótica Manuel Rodríguez. Pérez, à época comandante da Unidade Antiterrorista (UAT) da Central Nacional de Informações, foi condenado a cinco anos em regime de liberdade vigiada, pelo homicídio qualificado de Patricia Angélica Queiroz Nilo.


Reféns

O general peruano reformado Leonel Cabrera Pino, foi acusado pela CVR (Comissão de Verdade e Reconciliação) do Peru de violação dos direitos humanos na época em que chefiou o Batalhão Antisubversivo 313. Ele participou do resgate dos reféns na residência da embaixada do Japão em Lima, em 1992. A ação terminou com a morte dos 14 seqüestradores, membros do Movimento Revolucionário Tupac Amaru.


Cabrera é ligado a Vladmiro Montesinos -assessor do ex-presidente Alberto Fujimori- e ao tenente-coronel golpista Ollanta Humala, derrotado nas eleições presidenciais de 2006.
 
O general francês Paul Aussaresses contou à Folha que foi instrutor de tortura no Cigs. Os detalhes estão no livro "Je N'ai Pas Tout Dit - Ultimes Révélations au Service de la France" (Eu não contei tudo - últimas revelações a serviço da França), lançado em Paris.


Parte da história, ele antecipou em 2004 num depoimento ao documentário "Esquadrões da Morte - A escola francesa", da jornalista Marie-Monique Morin.

No filme, o general chileno Manuel Contreras, chefe do aparelho repressor e ideólogo da Operação Condor, admitiu que enviou oficiais para treinar na Escola Nacional de Informações e no Cigs.


Em carta de 16 de setembro de 1975, ao ditador Augusto Pinochet, ele pede US$ 600 mil para custear a ida dos efetivos aos "cursos de preparação de grupos antiguerrilheiros".

"A gente usava socos, choques, tapa no ouvido"
DO ENVIADO A MANAUS
O tenente da reserva José Vargas Jimenez ganhou a admiração dos colegas de farda ao lançar o livro "Bacaba, Memórias de um Guerreiro de Selva da Guerrilha do Araguaia", em 2007, no qual narra como usou técnicas de tortura aprendidas no Cigs. (CDS)


FOLHA - O sr. serviu na turma de 1972. Como foi o treinamento?

JOSÉ VARGAS JIMENEZ
- Foi muito duro, bem próximo da realidade. Tenho consciência de que, se não tivesse passado pelo treinamento no Cigs, eu não estaria vivo.

FOLHA - Vocês aprendiam técnicas de interrogatório?



JIMENEZ - Sim. Muito das técnicas lá eram em relação aos índios que a gente prendia. Era bem brabo, mas o interrogatório psicológico é pior.

FOLHA - Pode dar um exemplo?



JIMENEZ - Eu trabalhava no DOI-Codi aqui e roubaram oito pistolas. Toda a guarnição que estava de serviço foi presa. Me mandaram interrogar. Eu, à paisana, preparei uma sala e orientei um companheiro para atuar como no filme onde tem um policial malvado e outro bonzinho.


Mandei o sargento trazer o soldado algemado e judiar dele. Aí pedi que meu companheiro retirasse as algemas e ofereci um cafezinho, um cigarrinho. Ele me delatou que as armas estavam na casa de um civil. Prendemos um senhor que tinha duas filhas lindas. Na PF, que efetuou a prisão, mandei juntar os dois e deixei eles lá por cinco minutos. Depois falei pro civil que ele era mentiroso, pois o soldado já havia me ajudado a recuperar quatro armas. Saí e chamei três agentes da PF, grandes, barbudos e com cara de mau. Na frente do homem [civil], perguntei aos agentes: "Vocês viram as duas filhinhas dele lá na favela, uma de 12 e uma de 14 anos. Vocês gostaram? Vão lá comer elas, podem ir estuprar elas". Para proteger as filhas ele entregou tudo.

FOLHA - E a tortura física?



JIMENEZ - Eles faziam na gente primeiro. Nos amarravam, faziam a gente passar fome e nem deixavam dormir. A gente usava socos em pontos vitais, choques elétricos, dava tapa no ouvido e botava o sujeito em cima de duas latinhas de leite condensado. Teve um camponês que encontramos no meio da selva -eu, Curió e meu grupo- que não queria falar onde estavam os guerrilheiros.


Pegamos ele e botamos no pau-de-arara, só que o pau-de-arara era um viveiro de formiga. Nós besuntamos ele de açúcar, colocamos sal na boca dele e deixamos ali. Em dez minutos ele falou tudo.

FOLHA - Qual a reação ao livro no meio militar?



JIMENEZ - Gostaram muito. Mandei uns livros para lá [Cigs], autografados. O major Coimbra disse que [ela] vai servir para a aula dos alunos.


Disse que o comandante [coronel Antonio Barros] me convidou para ir lá dar uma palestra e ser homenageado com o facão do guerreiro de selva [símbolo do militar da Amazônia].

Um coronel que foi meu chefe mandou pedir dez livros: mandou cinco para a Aman [Academia Militar das Agulhas Negras] e cinco para EsSA [Escola de Sargentos das Armas], para servir de orientação para os guris.

Militar reconhece aulas, mas diz que contexto era outro
DO ENVIADO A MANAUS
O comandante do Cigs (Centro de Instrução de Guerra na Selva), tenente-coronel Antonio Manoel Barros, reconheceu que a escola foi usada para ensino de técnicas de tortura durante o regime militar.


"Não era um procedimento operacional, mas em determinado contexto se sabia que a técnica poderia ser usada. A Força (o Exército) não aceitava isso como algo trivial", disse.
 
O treinamento incluía simulação de campos de concentração para prisioneiros. Para o coronel, tais procedimentos já não são admitidos no Cigs. "Estamos falando das décadas de 60, 70, era outro contexto."

Barros é pioneiro na inclusão de elementos da psicopedagogia no treinamento dos combatentes de selva. Ele contratou três psicólogas, que fazem o acompanhamento de todos.
 
O Programa de Aplicação de Pressão Psicológica , ao qual a Folha teve acesso, prevê práticas polêmicas como a privação do sono, de água e alimentos.

Embora sejam técnicas reconhecidamente usadas em sessões de tortura, o manual determina aplicação "controlada". As instruções são recomendadas pelo Departamento de Ensino e Pesquisa do Exército. Os instrutores do Cigs também são orientados no programa a evitar "contato físico" e "humilhações", inclusive xingamentos e agressões verbais.



Araguaia

"Hoje o treinamento é mais leve que naquela época", afirmou o mateiro João Barroso, que trabalha no Cigs desde 1978. Ele aprendeu com o pai a se locomover na selva e tem passado seus ensinamentos a várias gerações de militares.
 
Técnicas de orientação na floresta ou de aproveitamento dos recursos da fauna e flora, aprendidas com ribeirinhos ou indígenas, foram reunidas no Compêndio do Guerreiro de Selva. O livro, com todos os segredos do combate e da sobrevivência na Amazônia, é um guardado a sete chaves. (CDS)


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