Íntegra da denúncia
Ministério Público do Estado de São Paulo
Excelentíssimo senhor doutor juiz de direito do
II Tribunal do Júri da Capital
IP nº 0274/2008
Noticiam os inclusos autos de inquérito policial que no dia 29 de março de 2008 (sábado), por volta das 23 horas e 49 minutos, na Rua Santa Leocádia, nº 138, apto 62, Vila Izolina Mazzei, comarca da capital, os indiciados
ALEXANDRE ALVES NARDONI e
ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, qualificados as fls. 585 e 604, respectivamente, agindo com unidade de propósito, valendo-se de meio cruel, utilizando-se de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida e objetivando garantir a ocultação de delitos anteriormente cometidos, causaram em Isabella de Oliveira Nardoni, mediante ação de agente contundente e asfixia mecânica, os ferimentos descritos no laudo de exame de corpo de delito de fls. 630/652, os quais foram causa eficiente de sua morte.
Consta, ainda, que alguns minutos antes e também logo após o cometimento do delito acima descrito, os denunciados inovaram artificiosamente o estado do lugar e dos objetos com a finalidade de induzir em erro juiz e perito produzindo, assim, efeito em processo penal não iniciado.
Apurou-se que Isabella de Oliveira Nardoni era fruto de um relacionamento amoroso havido entre o denunciado Alexandre e Ana Carolina Cunha de Oliveira, estando o casal separado à época dos fatos, razão pela qual a menina passava aquele final de semana em companhia do pai e da madrasta, a indicada Anna Carolina Jatobá.
Há notícias de que o relacionamento entre os denunciados era caracterizado por freqüentes e acirradas discussões, motivadas principalmente por forte ciúme nutrido pela madrasta em relação à mãe biológica da criança. Isabella, nos finais de semana que passava com o casal, a tudo presenciava.
Na manhã do dia mencionado, os indiciados, em companhia de seus dois filhos e de Isabella, dirigiram-se para o vizinho município de Guarulhos ocupando um veículo da marca Ford, tipo KA GL, placas DOG-1125.
No final da noite, após retornarem para o edifício da Rua Santa Leocádia, ocorreu forte discussão entre o casal, ocasião em que Isabella foi agredida com um instrumento contundente, fato que lhe ocasionou um pequeno ferimento na testa, provocando sangramento. Na seqüência, a denunciada Anna Carolina apertou o pescoço da vítima com as mãos, praticando uma esganadura que ocasionou asfixia mecânica, cujos ferimentos estão descritos no laudo já mencionado. O denunciado Alexandre, a quem incumbia o dever legal de agir para socorrer a própria filha, omitiu-se.
Com a criança desfalecida, porém ainda com vida, os indiciados resolveram defenestrá-la. Para tanto, a tela de proteção da janela do quarto dos irmãos da ofendida foi cortada, após o que o indiciado Alexandre subiu nas camas ali existentes, introduziu Isabella pela abertura da rede e a soltou, precipitando sua queda de uma altura de aproximadamente vinte metros.
A denunciada Anna Carolina concorreu decisivamente para a prática da conduta descrita no parágrafo acima, uma vez que a tudo presenciou, além de aderir e incentivar, prestando auxílio moral.
Apesar do socorro prestado por uma unidade do Resgate, os ferimentos provenientes da queda, aliados àqueles decorrentes do processo de esganadura, causaram a morte de Isabella, criança de cinco anos de idade.
O meio utilizado foi cruel, uma vez que a vítima, além de sofrer asfixia mecânica e já apresentando ferimentos pelo corpo, foi defenestrada ainda com vida, padecendo de sofrimento intenso.
Além de ter sido surpreendida quando da esganadura contra si aplicada, a ofendida teve, ainda, a sua defesa impossibilitada ao ser lançada inconsciente pela janela.
Os denunciados objetivaram garantir a ocultação dos delitos anteriormente praticados contra Isabella, a qual já havia sofrido uma esganadura e apresentava ferimentos.
Finalmente, os denunciados simularam que um ladrão havia invadido o apartamento da família e lançado a vítima pela abertura feita na tela da janela. Enquanto o indiciado Alexandre descia pelo elevador, sua esposa Anna Carolina permanecia no imóvel alterando o local do crime, como já havia feito pouco antes da ofendida ser jogada, apagando marcas de sangue, mudando objetos de lugar e lavando peça de roupa. Ao mesmo tempo, o pai da criança, já no térreo do edifício, no momento em que Isabella estava caída no gramado, ainda com vida e necessitando de urgente socorro, preocupava-se em mostrar a todos que havia um invasor no prédio, fato que motivou a imediata chegada de mais de trinta policiais militares, os quais, após minuciosa varredura no local e imóveis vizinhos, nada encontraram. Algum tempo depois da queda, a denunciada Anna Jatobá apareceu na parte térrea do edifício e passou a ofender o porteiro com palavras de baixo calão, sugerindo falta de segurança no condomínio.
Em vista do exposto, denuncio a Vossa Excelência
ALEXANDRE ALVES NARDONI como incurso nas sancões do artigo 121, § 2º, incisos III, IV e V c.c. o § 4º, parte final e artigo 13, § 2º, alínea a (c/ relação à asfixia), e artigo 347, § único, todos c.c. o artigo 61, inciso II, alínea e, segundo figura e 29, do Código Penal e
ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ como incursa nas sanções dos artigos 121, § 2º, incisos III, IV e V c.c. o § 4º, parte final e artigo 347, § único, ambos c.c. o artigo 29, do Código e requeiro, após o r. e a. desta, sejam os denunciados citados para interrogatório e, enfim, para serem processados até decisão de pronúncia, julgamento e condenação, nos termos do artigo 394 e seguintes do Código do Processo Penal, intimando-se as testemunhas do rol abaixo objetivando prestarem depoimentos em juízo, sob as cominações legais.
SP, 07 de maio de 2008.
Francisco J. Taddei Cembranelli
Promotor de Justiça
II Tribunal do Júri
Rol de testemunhas
1 – Ana Carolina Cunha de Oliveira – fls. 150
2 – Antônio Lucio Teixeira – fls. 12
3 – Valdomiro da Silva Veloso – fls. 15
4 – Luciana Ferrari – fls. 70
5 – Waldir Rodrigues de Souza – fls. 92 – 951
6 – Alexandre de Lucca – fls. 70
7 – Paulo César Colombo – fls. 72
8 – Karen Rodrigues da Silva – fls 80
9 – Geralda Afonso Fernandes – fls. 93
10 – Rosa Maria Cunha de Oliveira – fls. 121
11 – Provimento 31 – Fls. 520
12 – PM Robson Castro Santos – fls. 104 – 217
13 – Dra. Rosangela Monteiro – Perita – fls. 657
14 – Dr. Paulo Sérgio Tieppo Alves – IML – fls. 638
15 – Dr. José Antônio de Moraes – Perito = fls 739
16 – Dra. Renata H. da Silva Pontes – fls. 1041
Íntegra do pedido da prisão preventiva.
Ministério Público do Estado de São Paulo
Excelentíssimo senhor doutor juiz de direito do
II Tribunal do Júri da Capital
IP nº 0274/2008
1 – Ofereço denúncia em apartado.
2 - Requeiro Faz, certidões criminais do que nelas constar, cobrança dos laudos faltantes e a oitiva, como testemunhas do juízo, das seguintes pessoas:
1 – Provimento 32 – fls. 427
2 – Benícia Maria B. Fernando – fls. 929 (precatória p/ Franca/SP)
3 – José Arcanjo de Oliveira – fls. 122
3 – Por fim, concordo com a representação formulada pela digna autoridade policial (fls. 1039/1041), uma vez que presentes os requisitos processuais autorizadores da prisão preventiva.
A materialidade dos crimes está demonstrada, bem como a existência de fartos e consistentes indícios de autoria.
Por outro lado, considerando-se as peculiaridades que envolvem os crimes imputados aos denunciados, cuja gravidade e brutalidade acarretaram severo abalo no equilíbrio social, com reflexos negativos na vida de pessoas comuns que a tudo acompanham incrédulas, não há como se negar à imprenscindibilidade da decretação da prisão para a garantia da ordem pública.
De grande repercussão social, o crime geral inegável comoção e insegurança na sociedade brasileira, até mesmo muito além das fronteiras do país, impondo ao Poder Judiciário o dever de resgatar a tranqüilidade de uma coletividade consternada e garantir a credibilidade da Justiça, por meio da segregação cautelar dos denunciados.
A propósito, a doutrina mais abalizada de Guilherme de Souza Nucci (1):
“Entende-se pela expressão a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, em regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, como reflexos negativos e traumáticos de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento de sua realização um forte sentimento de impunidade e insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.” (g.n).
No mesmo sentido, leciona Julio Fabbrini Mirabete (2):
“O conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça emface da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida deve ser regulada pela sensibilidade do Juiz à reação do meio ambiente à prática delituosa. Embora seja certo que a gravidade do delito, per si, não basta para a decretação da custódia, a forma e execução do crime, a conduta do acusado, antes e depois do ilícito, e outras circunstâncias podem provocar imensa repercussão e clamor público, abalando a própria garantia da ordem pública, impondo-se a medida como garantia do próprio prestígio e segurança da atividade jurisdicional.” (g.n);
O binômio consistente na repercussão social dos fatos e gravidade da infração está plenamente satisfeito, ensejando a medida extrema.
É farta a jurisprudência mais moderna da nossa Corte Suprema a respeito do tema:
“Há lesão à ordem pública quando os fatos noticiados nos autos são de extrema gravidade, causando insegurança jurídica à manutenção da liberdade do acusado.” STF – H.C. Nº 90726 – Relatora Min. Carmem Lúcia V. U.
“A caracterização da garantia da ordem pública se faz necessária também em conseqüência dos graves prejuízos causados à credibilidade das instituições públicas.” STF – HC 88476 – Relator Min. Gilmar Mendes V. U.
“Não é desfundamentada a decisão que decreta a prisão preventiva com base na análise dos fatos narrados na denúncia, mormente quando o Magistrado encontra, em tais fatos, os requisitos do artigo 312 do Código do Processo Penal”. STF = HC 88952 – Relator Min. Carlos Britto.
É de se ressaltar, ainda, o natural sentimento de iniqüidade provocado pela permanência dos denunciados em liberdade, considerando-se os inúmeros anônimos presos pelo simples furto de um vidro de shampoo ou de um porte de margarina.
E mais. Não se pode desprezar o fato de que os representantes alteraram significativamente o local do crime, desfazendo-se de evidências, simulando situações, ocultando dados, tudo com o propósito claro de prejudicar a colheita de provas, condutas que, por si só, evidenciam sério risco ao bom andamento da instrução criminal, especialmente no que concerne à reprodução da prova oral, que agora se dará sob o crivo do contraditório, o que inspira cautela por parte do Poder Judiciário.
O comportamento de alterar a prova e prejudicar a instrução criminal não se resume a atos tais como ameaçar testemunhas ou deixar de comparecer quando solicitado. A manipulação da percepção das pessoas, inclusive e sobretudo das testemunhas, induzindo-as em equívoco, criando hipóteses e lançando inverdades, tudo por meio de imprensa televisionada de grande alcance, a qual, aliás, poucos indiciados têm acesso, também é fato que não pode ser minimizado no contexto da garantia da instrução criminal.
É certo, por outro lado, que a primariedade do agente não é sinônimo incondicional de liberdade, uma vez que diversos são os fundamentos da custódia cautelar, como já assinalados. Além disso, ainda que primários, há notícias nos autos de que os denunciados possuem comportamento que se revela agressivo no próprio seio familiar, inclusive na frente dos filhos pequenos. Com efeito, há relatos de que a denunciada Anna Carolina Jatobá, em meio a uma discussão familiar, quebrou uma janela de Vidor com as mãos (fls. 70 e 72) e que, em outra ocasião, jogo seu bebê sobre uma cama para poder agredir o marido (fls. 161). Já o denunciado Alexandre Nardoni, além de ter contra si o registro de ocorrência por delito de ameaça de morte praticada contra a ex-mulher e sogra (fls. 60), em outro dia, irritado, ergueu o filho bebê no ar e o soltou rumo ao solo (fls. 162). A propósito, sobre estes episódios envolvendo os denunciados e as crianças, não é possível deixar de observar que transbordam os limites do castigo disciplinar e correcional, permitido aos pais, avançando em direção à conduta descrita na própria inicial acusatória. Tais fatos, reveladores do comportamento pretérito dos denunciados, evidenciam, dentre outras coisas, a personalidade dos agentes, dado de extrema relevância no momento da análise da conveniência da prisão cautelar.
Resta claro, portanto, que muitos são os elementos aptos a ensejar a prisão cautelar dos denunciados, medida de exceção como é sabido, porém plenamente justificada no presente momento.
Pelas razões expostas, visando garantir a ordem pública, severamente abalada, por conveniência da instrução criminal, em risco pelo reprovável comportamento social dos denunciados e para assegurar a aplicação da lei penal, anseio de um Brasil inteiro profundamente comovido com o triste destino da pequena ISABELLA, endosso a representação formulada pela autoridade policial e aguardo a decretação das prisões cautelares.
SP, 07 de maio de 2008.
Francisco J. T. Cembranelli
Promotor de Justiça
II Tribunal do Júri
(1) NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, 6ª edição, Editora RT, pag. 590.
(2) MIRABETE, Júlio Fabbrini, Código de Processo penal Interpretado, 9ª edição, Editora Atlas, pag. 803.
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Caso Isabella.
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