O doutor da Unifesp devia vir para a vitrine, explicando suas contas com os malditos cartõesArtigo de Elio Gaspari
HÁ POUCA COISA em comum entre as despesas do ex-reitor da Universidade de Brasília e os caraminguás consumidos pelo doutor Ulysses Fagundes Neto (foto), reitor da Universidade Federal de São Paulo. Um gastou pelo menos R$ 350 mil decorando o apartamento onde vivia, com lixeiras de R$ 990, mais carrão, viagens e jantares. O outro gastou R$ 75,5 mil em 12 viagens ao exterior, num período de ano e meio. O magnífico pagou uma passadinha de R$ 2.200 na loja Nike Town de Berlim, comprou produtos para o cabelo em Miami e malas em Pequim. Em 2007, com gastos de R$ 291 mil, a Unifesp foi a terceira colocada na torrefadora dos cartões corporativos da academia. Perdeu para Brasília e para a Universidade Federal do Piauí.
Fagundes Neto e Timothy Mulholland assemelharam-se na soberba do silêncio de senhor feudal. Dois educadores são apanhados gastando o dinheiro dos outros de forma indevida e não lhes ocorre sentar atrás de uma mesa, encarando a patuléia e explicando-se. Senhores de baraço (frouxo) e cutelo (cego) nas instituições que dirigem, confundem o poder da cátedra com uma espécie de mandato divino que os dispensa de prestar contas a quem lhes paga os cartões. Falam por meio de notas, transmitidas por suas assessorias. Se Timothy Mulholland tivesse encarado a choldra desde cedo, teria sangrado menos. Fagundes Neto corre o risco de virar bola da vez.
Veja-se um exemplo: a Unifesp divulgou nota oficial informando que algumas despesas "tiveram uma solução encaminhada em 2007". Parolagem de burocrata contorcionista. A Controladoria Geral da União já informara ao repórter Alan Gripp que o magnífico Fagundes devolvera R$ 8.000 gastos irregularmente em 2006. Ele mesmo reconhecera que "a CGU decidiu e eu não discuti, paguei, mas não houve irregularidade". Não haveria de ser uma bobagem dessas que abalaria a carreira de um professor que chegou a reitor de sua universidade. De qualquer forma, se achava que tinha razão, não deveria ter pago. Tendo pago, teria feito melhor se tivesse vindo a público comunicar o que lhe sucedera.
Os reitores são antes de tudo mestres. Se um ministro é apanhado torrando dinheiro com cartões e o comissariado do Planalto aparece organizando dossiês, esse é um jogo que a juventude pode querer corrigir. Se os reitores protegem-se recorrendo a silêncios, monólogos e contorções, a aula está dada. Nos Estados Unidos, é fácil expulsar maus alunos, mas também é fácil defenestrar maus reitores. Por inconveniências verbais, políticas ou financeiras, já foram mandados embora os presidente de Harvard, Stanford e da American University.
É compreensível que um reitor pague um jantar de R$ 1.000 a convidados estrangeiros. Até um protetor solar pode entrar no cartão, bem como o aluguel de um carro pode ser muito mais barato que os deslocamentos de táxi. O reitor da Unifesp devia vir para a vitrine, com todas as suas contas numa sacola e a lição do juiz Louis Brandeis na cabeça: "A luz do sol é o melhor desinfetante".
Como ele mesmo prometeu, referindo-se à Lei de Responsabilidade Fiscal: "Eu não vou passar pelo constrangimento de ter um processo criminal por apropriação indébita, por estar na lista dos devedores do INSS. Eu não vou assinar um cheque que me condena. Tudo será absolutamente transparente".
A Unifesp informa que hoje o reitor falará à imprensa numa entrevista coletiva. Boa idéia.
Alunos da Unifesp se mobilizam contra reitorEstudantes cobram explicação de Ulysses Fagundes Neto por uso de cartão com gastos pessoais e marcam assembléia para hoje
Representantes dos alunos também exigem devolução dos R$ 12 mil gastos por Fagundes Neto; invasão de reitoria não é descartadaLILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Surpreendidos com a revelação do uso do cartão corporativo pelo reitor Ulysses Fagundes Neto, 62, em gastos pessoais no exterior, estudantes da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) querem uma explicação para cada compra e ainda a devolução do dinheiro aos cofres públicos.
"Não somos radicais nem loucos, só achamos que, como estudantes, temos o direito de cobrar explicações e uma postura ética do nosso reitor", afirmou ontem o coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes, Tiago Cherbo, 23.
Em viagens de trabalho no exterior, Fagundes Neto gastou R$ 12 mil do cartão com compras pessoais em lojas de eletrônicos, cerâmicas e malas.
"Vamos cobrar a reposição do dinheiro, mas essa não será a única medida", disse o estudante Mateus Lima, 20, coordenador do diretório.
Outras "medidas" serão discutidas hoje durante assembléia convocada pelo diretório com alunos dos cinco campi. Nenhuma hipótese está descartada, dizem, nem uma possível ocupação da reitoria nos moldes do que ocorreu na UnB (Universidade de Brasília).
"Foi maravilhoso o que aconteceu na UnB, mas não dá para comparar com a Unifesp, são contextos diferentes. Não queremos fazer nada impensado. Quando se faz uma ocupação, toda relação com a direção é cortada e sempre ocorrem punições. No campus de Guarulhos, abriram uma sindicância contra 40 alunos que protestaram. Temos de avaliar se é o desejo da base. Se for, nós faremos", disse Cherbo.
Na universidade, os alunos espalharam cartazes e distribuíram folhetos detalhando os gastos do reitor.
"Ficamos chateados porque sabemos que a infra-estrutura da Unifesp é muito precária, faltam até livros nas bibliotecas de alguns campi", afirmou Érika Alexandra, 22, estudante do segundo ano de fonoaudiologia.
Segundo Cherbo, os alunos entenderam que as explicações dadas pelo reitor não são convincentes -Fagundes Neto se limitou a dizer que foram viagens de trabalho e que o dinheiro era relativo a diárias.
"O cartão corporativo é para gastos pequenos e emergenciais. Não adianta ele vir com o mesmo discurso, que não aceitaremos, queremos que o reitor explique pontualmente cada gasto", afirmou Cherbo.
Criada em 1933 por um grupo de médicos, a EPM (Escola Paulista de Medicina) foi federalizada em 1956 e, em 1994, transformada em universidade federal, primeira especializada em saúde no país. Com cinco campi e cerca de 4.200 alunos, a Unifesp incluiu em sua grade cursos de humanas e exatas.
Reitor da Unifesp diz que devolverá gastos com cartão
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA REPORTAGEM LOCAL
O reitor da Unifesp, Ulysses Fagundes Neto, afirmou ontem que devolverá os valores gastos com cartão corporativo em 2006 e 2007. Segundo dados do Portal da Transparência, o montante é de R$ 84.857,87, dos quais R$ 11,8 mil foram ressarcidos em 2006, após uma auditoria da CGU (Controladoria Geral da União).
Apesar do anúncio, o reitor disse não considerar inadequado o uso do cartão em despesas com cerâmicas espanholas e artigos eletrônicos e esportivos em lojas no exterior. Usou o cartão, disse, como se fosse diária.
A diária é um valor fixo recebido pelo servidor público para despesas com hospedagem, transporte e alimentação. Os gastos não precisam ser comprovados. Essa justificativa será analisada pela CGU, que abriu auditoria.
O reitor disse ser um "direito" dele usar o cartão em viagens internacionais ao seu arbítrio. "O que fazia parte da minha diária eu usei por direito meu, com o que entendia que era correto."
Indagado se os produtos comprados no exterior eram de uso pessoal, disse: "Estou dizendo que fazia parte da minha diária, então isso é algo que fica ao meu alvitre".
O reitor negou que as viagens internacionais não tenham sido a trabalho -possibilidade investigada pela CGU. Disse que devolveu o dinheiro para que o órgão faça uma auditoria "minuciosa" e decida o que é regular.
Serão auditados os gastos de R$ 2.473 usados do cartão em loja da Nike e da Adidas na Alemanha, durante a Copa do Mundo de 2006; outros R$ 1.411 em cerâmicas na Espanha; mais R$ 5.084 em produtos eletrônicos nos EUA; e R$ 2.035 em malas Samsonite na China.
O procurador da República Sérgio Suiama, do Ministério Público Federal, disse ontem que o reitor sonegou informações sobre o uso do cartão no exterior.
"Apuro esses gastos desde fevereiro e me senti enganado. Só recebi da universidade os gastos do reitor em restaurantes no Brasil", afirmou Suiama, que requisitou ontem todas as despesas nacionais e internacionais efetuadas por funcionários da Unifesp que tenham cartões corporativos.
(ANGELA PINHO E LILIAN CHRISTOFOLETTI)
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