por Vasconcelo Quadros - Brasília
O tenente da reserva José Jiménez Vargas, ex-combatente do Exército que participou da fase de extermínio da Guerrilha do Araguaia, entre outubro de 1973 e fevereiro de 1974, garante: está disposto a prestar depoimento a qualquer comissão do governo, destinada a esclarecer sua participação no conflito. Inclusive detalhar o que vivenciou e ouviu durante o período em que foram mortos 32 guerrilheiros, alguns deles em episódios dos quais ele teve participação direta.
- Na época eu era sargento. Agora sei que estão ouvindo os oficiais. Nunca me procuraram, mas não vejo mais razão para esconder o que aconteceu - disse o tenente da reserva em entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil.
Vargas, que era conhecido como Chico Dólar, comandou um Grupo de Combate formado por dez homens e integrou a equipe de militares treinados em guerra na selva que, em menos de seis meses, praticamente destruiu toda a estrutura que o PCdoB chamava de Forças Guerrilheiras do Araguaia (Foguera). A principal baixa foi a eliminação do comando da guerrilha por uma tropa mista formada por 120 pára-quedistas e 100 especialistas em guerra de selva treinados na Serra das Andorinhas, em Xambioá (TO).
Dupla relevância
O depoimento de Vargas teria dupla relevância. Ele não é apenas um combatente presente na fase do extermínio. Foi também importante homem de inteligência do Exército, lotado até 1994 nos serviços de informação de Marabá, Belém e Brasília.
- Participei e ouvi muitas histórias, mas sobre o Piauí (o guerrilheiro Antônio de Costa Pádua) posso provar porque fui eu quem o prendeu. A instituição (Forças Armadas) sumiu com ele em março de 1974 - afirma.
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, garantiu que os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica estão empenhados em cumprir uma decisão da juíza Solange Salgado, da Justiça Federal de Brasília, que pede o resgate das informações que se encontravam nos arquivos das Forças Armadas, e os depoimentos de cerca de 40 oficiais que participaram do conflito para tentar encontrar as ossadas dos 58 desaparecidos no Araguaia.
- As respostas aos quesitos estão sendo processualizadas. Não podemos construir o futuro preocupado com o passado. Decisão judicial se cumpre! - disse o ministro.
Ele explicou, no entanto, que a Advocacia Geral da União (AGU), a quem cabe dar cumprimento à decisão judicial - que é definitiva por terem sido esgotados todos os recursos -, não estipulou um prazo.
Curió e Lício deverão prestar depoimento
As Forças Armadas mantém sigilo sobre a guerrilha do Araguaia, mas o comando de cada área está ouvindo oficiais. Os depoimentos mais aguardados são os do atual prefeito de Curionópolis, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o maior arquivo do conflito, e o do coronel da reserva Lício Augusto Ribeiro Maciel, que comandou Curió.
Discretamente, o governo trabalha também em outras duas linhas distintas: uma delas é operada pelo ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vannucchi - ao qual está vinculada a Comissão de Mortos e Desaparecidos -, que prepara uma expedição de buscas à região do Araguaia e tem um verdadeiro acervo de informações sobre os guerrilheiros.
A outra, mais a título de colaboração para a hipótese de o governo levar a sério a identificação e localização dos restos mortais, envolve os processos de anistia que vêm sendo concedido pelo Ministério da Justiça a moradores e ex-guias que trabalharam para o Exército na região.
Camponeses
A Comissão de Anistia do MJ deverá indenizar, nos próximos dois meses, mais de duzentos camponeses que foram presos e torturados durante a repressão no Araguaia. A reparação financeira incluiria também os guias e facilitaria a busca de informações concretas para localização de várias ossadas. O tenente Vargas conta, no livro Bacaba - memórias de um guerreiro de selva da Guerrilha do Araguaia que os moradores eram torturados e recrutados à força para atender o Exército.
Diz ainda que, com medo, as famílias ofereciam suas filhas adolescentes para fazer sexo com os militares e que muitas esposas e filhas de camponeses se viram obrigadas a recorrer à prostituição para sobreviver enquanto os homens ficaram presos.
Por causa das revelações e a divulgação de documentos secretos em seu livro, Vargas respondeu a sindicância no Comando Militar do Oeste, em Campo Grande, no final do ano passado.
- A maior preocupação deles (militares) é que eu escreva outro livro e conte o que vi no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, órgão repressivo da ditadura) e no serviço de informações - provoca.
Em entrevista ao Jornal do Brasil, ele deu detalhes sobre tortura, prisões, a ordem de extermínio, sumiço de guerrilheiros e ainda apontou possíveis locais onde possam estar os restos mortais de parte dos 58 militantes do PC do B desaparecidos no Araguaia. (V.C.)
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