A IA está prestes a alterar radicalmente as estruturas de comando militar que não mudaram muito desde o exército de Napoleão

Apesar de dois séculos de evolução, a estrutura de um estado-maior militar moderno seria reconhecível por Napoleão. Ao mesmo tempo, as organizações militares têm lutado para incorporar novas tecnologias à medida que se adaptam a novos domínios — ar, espaço e informação — na guerra moderna. Benjamin Jensen professor de Estudos Estratégicos na Escola de Combate Avançado da Universidade do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos The Conversation plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas O tamanho dos quartéis-generais militares aumentou para acomodar os fluxos de informação e os pontos de decisão expandidos dessas novas facetas da guerra. O resultado é a diminuição dos retornos marginais e um pesadelo de coordenação — muitos cozinheiros na cozinha — que corre o risco de comprometer o comando da missão. Agentes de IA — softwares autônomos e orientados a objetivos, alimentados por grandes modelos de linguagem — podem automatizar tarefas rotineiras da equipe, redu...

O trabalho como motivo de suicídio

por Mário César Ferreira, para a Folha


A falta de registros de suicídios na França dificulta o seu controle epidemiológico e a geração de políticas públicas preventivas
Na França, o ano de 2007 foi marcado pelo crescimento de suicídios de trabalhadores qualificados. Logo no primeiro semestre, em 22 de abril, o jornal "Le Monde" estampava: "PSA Peugeot-Citröen confrontada com um caso de suicídio". Um operário, 51, enforcou-se no local de trabalho na unidade de Mulhouse. O corpo foi descoberto quando, após o almoço, os colegas inquietaram-se com sua ausência. Todos os indícios da causa do suicídio confluíram para uma forte insatisfação com o tratamento recebido das chefias. As notícias da imprensa apontaram cinco casos na PSA Peugeot-Citröen, quatro na central nuclear de Chinon, três na Renault, um na IBM e um na megarrede de restaurantes Sodexho.

A falta ou a insuficiência de registros de casos de suicídios na França, sobretudo de suas causas, dificultam enormemente o seu controle epidemiológico e, em conseqüência, a geração de políticas públicas preventivas. Isso não é diferente no Brasil. De qualquer modo, os dados divulgados pela mídia, ainda que imprecisos, são preocupantes, dramáticos. Estima-se em torno de 400 os casos de suicídios por ano na terra de Victor Hugo. Até o momento, apenas 18 casos foram reconhecidos oficialmente pela Seguridade Social francesa como acidente de trabalho. No Japão, a dificuldade de controle epidemiológico é semelhante. Nesse país, onde cerca de 25% dos trabalhadores têm uma jornada de 60h semanais, os casos de suicídios ("karochi") são considerados como doença ocupacional e são estimados em torno de mil por ano.

A natureza multicausal do suicídio é consensual. Entretanto, o nexo com o trabalho como fator desencadeador permanece uma querela. O reconhecimento dos casos de suicídios na França como acidente de trabalho inaugura uma situação nova. Foi irrefutável a diversidade de evidências constatada pelas sindicâncias -comissões tripartites governo, empresários e trabalhadores- sobre as especificidades do trabalho vivenciado geradoras dos atos de suicídio. Dois fatos se destacam nas provas arroladas: suicídios ocorridos nos locais de trabalho e cartas/bilhetes deixados para a família e amigos. Nesse último caso, a dramaticidade do relatado é comovente: "Eu não sou forte! A pressão no trabalho é demais"; "Estou esgotado. Meu estado físico e psicológico se deteriora a cada dia".

Tais fatos reaquecem o debate sobre os impactos humanos das metamorfoses que a economia globalizada vem operando nos ambientes de trabalho e na gestão de pessoal. Desde a Revolução Industrial, a precariedade e a inadequabilidade das condições de trabalho são uma espécie de "barril de pólvora". Os acidentes de trabalho e de trajeto permanecem crescendo. As doenças ocupacionais continuam matando lentamente, silenciosamente. Os casos de "burnout" -síndrome de esgotamento físico/psicológico- multiplicam-se. Na França, estima-se em torno de 330 mil doenças relacionadas com o estresse laboral, custando cerca de 900 milhões de euros por ano para os cofres públicos.

Diferentemente de consultorias que transformam o desgaste dos trabalhadores em "stress business" e lucram com atividades do tipo "ofurô corporativo", é imperioso repensar os caminhos que tem tomado a reestruturação produtiva. Ela opera uma transição de paradigma produtivo ancorado, essencialmente, em uma "modernização" gerencial conservadora, que combina distintos ingredientes: o aumento da responsabilidade das tarefas, a aceleração do ritmo de trabalho e a radicalização do controle por meio das novas tecnologias. O resultado é uma intensificação insuportável do trabalho. Esse enfoque de gestão parece estar transformando o trabalho no seu avesso: outrora modo de ganhar a vida, hoje, mais do que antes, modo de encontrar a morte.

Se trabalhar é "fazer algo", encontramos aqui um elo com a poesia, cuja etimologia no grego ("poíesis") significa "criação, fabricação, confecção". Não é exagero afirmar: somos o que somos em virtude do trabalho coletivo de cada dia e, sobretudo, por aquele realizado pelas gerações passadas. O trabalho social de hoje cria as bases materiais e espirituais para a existência das gerações futuras. Ele é ferramenta estratégica para viabilizar o tão propalado binômio "desenvolvimento sustentável e empresa socialmente responsável". No cotidiano das organizações é, portanto, vital cuidar muito bem dessa nobre atividade para que ela se transforme em sinônimo de vida.

MÁRIO CÉSAR FERREIRA, 49, é professor do Instituto de Psicologia da UnB (Universidade de Brasília) e pós-doutorando na Universidade de Paris 1 (Sorbonne). mcesar@unb.br

> Casos de suicídio.

Comentários