Exposição à nicotina na adolescência modificaria funcionamento cerebral
Estudo com mais de 1.500 jovens constatou que os fumantes precoces tiveram mais chances de apresentar depressão e ansiedade.
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Cláudia Collucci, da Folha de S.Paulo
A exposição precoce à nicotina pode modificar o funcionamento cerebral de jovens e favorecer o aparecimento de transtornos psiquiátricos na vida adulta -como a depressão e a ansiedade-, sugerem estudos clínicos e populacionais.
Um dos maiores trabalhos sobre o tema foi publicado em janeiro na revista científica "Addiction", a mais renomada na área de dependência química. Pesquisadores da Universidade de Oslo (Noruega) acompanharam 1.501 jovens- entre 13 e 27 anos- durante 13 anos.
A conclusão foi que aqueles que começaram a fumar precocemente tiveram mais chances de desenvolver depressão, transtornos da ansiedade e pensamentos suicidas em relação aos não-fumantes. O assunto será um dos destaques de uma conferência internacional sobre tabagismo, que acontece em abril em Dublin (Irlanda).
A nicotina é um estimulante do sistema nervoso central. Como a adolescência é uma fase em que os neurônios não estão totalmente formados, a exposição precoce à substância deixaria uma "marca" no cérebro.
"Se aprendemos inglês ou a andar de bicicleta na infância ou na adolescência, não esquecemos mais. Isso só é possível porque o cérebro está em formação. A nicotina deixa uma marca mnêmica. Isso aumenta a predisposição à dependência e a outros transtornos que têm como causa um desequilíbrio da neurotransmissão cerebral", explica a médica Analice Gigliotti, presidente da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e outras Drogas.
Gigliotti e outros especialistas em tabagismo avaliam que, diante dessa conclusão, deverá ocorrer uma mudança na forma de avaliar e de tratar o fumante, especialmente o jovem.
"Estamos diante de um novo paradigma da medicina em relação à nicotina. A gente imaginava que o doente psiquiátrico procurava o tabagismo para aliviar seus sintomas psíquicos. Agora, postula-se o contrário. O fato dele ter sido exposto ao cigarro na adolescência pode ter levado ao transtorno psiquiátrico", afirma a cardiologista Jaqueline Issa, do InCor (Instituto do Coração).
Para Gigliotti, a criação de políticas de prevenção ao tabagismo "mataria vários coelhos numa mesma cajadada". "A dependência de nicotina é uma doença do cérebro, assim como a dependência a drogas e outras doenças mentais. Evitando-a, preveniríamos doenças mentais, dependências de drogas e morte precoce dos adolescentes e dos fumantes passivos."
No Brasil, pesquisas mostram que 90% dos fumantes adquirem o vício antes dos 18 anos. "Quanto mais jovem você se expõe ao cigarro, mais cedo vai alavancar esses possíveis transtornos mentais", alerta Jaqueline Issa.
Segundo o psiquiatra Sergio Nicastri, pesquisador do Grea (grupo de estudos e álcool e drogas), há evidências de que o uso de nicotina interfira nos sistemas neuroquímicos (neurorreguladores como acetilcolina, dopamina e norepinefrina), que, por sua vez, afetam circuitos neurais, associados à regulação de humor.
Ele afirma que as perturbações psiquiátricas mais frequentemente relacionadas ao tabagismo são depressão, esquizofrenia e transtornos de ansiedade e de humor.
Vários estudos já demonstraram que a incidência de doenças mentais é maior entre os fumantes do que no restante da população. Nos EUA, por exemplo, o índice de tabagismo na população em geral é de 12%. Entre os doentes psiquiátricos, chega a 70%. No Brasil não há esse levantamento.
Na literatura médica, existem vários estudos demonstrando uma maior prevalência de tabagismo entre os portadores de esquizofrenia-em relação à população em geral e também em comparação a outros doentes psiquiátricos. Nos EUA, cerca de 80% dos esquizofrênicos fumam.
Um trabalho recente, com 668 pacientes, revelou que o tabagismo pesado (consumo de um ou mais maços de cigarros) durante a adolescência é associado a um risco maior para o aparecimento de transtorno de pânico, agorafobia e ansiedade generalizada na vida adulta.
Há uma outra linha de estudos que tenta vincular a dependência aos genes. Um deles, da Universidade de Utah (EUA), analisou amostras de DNA de 2.827 fumantes e concluiu que mutações genéticas podem estar relacionadas ao tabagismo.
Os fumantes que começaram a fumar antes dos 17 anos possuíam uma cópia duplicada do gene que interage com a nicotina no cérebro. Com isso, eles tinham até cinco vezes mais chances de se tornarem dependentes do cigarro durante a vida adulta, segundo a pesquisa.
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