Enem do servidor federal vai oferecer em 2024 mais de 7 mil vagas

Imagem
A partir de 2024 haverá uma prova nacional unificando o processo de seleção de servidores federais, um Enem dos Concursos”, como o objetivo de facilitar o acesso da população às provas, inclusive em cidades do interior. A primeira prova será realizada no dia 24 de fevereiro.  A estimativa de vagas é de mais 7 mil no primeiro ano do concurso, Provas serão simultaneamente em 179 cidades das 5 regiões Cada ministério poderá decidir se vai aderir a esse modelo ou fazer os concursos por conta própria. O exame acontecerá ao mesmo tempo em 179 municípios, sendo 39 na Região Norte, 50 no Nordeste, 18 no Centro-Oeste, 49 no Sudeste e 23 no Sul. Haverá duas provas no mesmo dia. Uma com questões objetivas, comum a todos, e outra com perguntas específicas e dissertativas, divididas por blocos temáticos. Os candidatos para Trabalho e Previdência farão a mesma segunda prova, por exemplo; já os candidatos para Administração e Finanças Públicas, outra. As vagas abrangem os seguintes setores: Administr

"Temos uma nova classe média"

Ao tentar definir o que entende por classe média, o economista Guilherme Delgado em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line, afirma: “Classe média é um conceito mais sociológico do que puramente econômico. É um conjunto de ocupações e funções da sociedade dentro da economia que acessa poder, riqueza, bens socioculturais, e uma certa modernidade. Não vejo isso nessa classe média estatística”. O professor constata, a partir das recentes pesquisas sobre o aumento de renda dos brasileiros, que o emprego formal e política social do governo promoveram um avanço da parte muito pobre da população. “Estamos elevando o patamar de renda da classe baixa pelo acesso a benefícios sociais do Estado de bem estar e por um certo crescimento da ocupação. (...) Mas isso não configura nem uma nova classe média, nem uma redistribuição de renda no sentido de eqüidade, de solução das questões do bem-estar. Isso está a quilômetros de distância”, alerta.

Guilherme Delgado é pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (IPEA) e doutor em Economia, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Confira a entrevista.

familia_brasil 

IHU On-Line - Podemos identificar realmente uma nova classe média brasileira?

Guilherme Delgado – Essa pergunta provavelmente se refere a uma consideração de classe média em termos estatísticos de níveis de renda. E, nesse sentido, não há como se afirmar tal proposição. Na realidade, temos visto um processo de concentração no topo da pirâmide social e um avanço de algumas categorias de base para uma configuração um pouco melhorada de renda. Mas a classe média mesmo tem sofrido perdas significativas de status e de tamanho econômico. Não creio que haja uma nova classe média no sentido dos países desenvolvidos, que têm um nível de renda, de escolaridade, de acesso a bens culturais. A classe média do ponto de vista estatístico, na PNAD de 2005, tinha uma renda média, por domicílio, de R$ 1.426,00 e uma renda per capita de R$ 744,00. Fazendo pequenas adaptações de 2005 para cá, temos um pequeno incremento desses valores, mas estamos situados num nível de renda monetária muito baixa ainda.

IHU On-Line - O que poderia ser caracterizado como classe média?

Guilherme Delgado – A mídia, quando fala em classe média, está mencionando a classe pesquisada e investigada pelas instituições de caráter mercadológico (classes A, B, C e D). São níveis de renda para vender produção. A classe média, em qualquer instituição, é a classe que fica no meio. Como conceito sociológico, ela precisa ter um perfil socioeconômico, cultural e de capacidades que lhe dê muito mais autonomia em relação a uma leitura propriamente estatística. E isso eu não vejo configurado no atual quadro. Vejo a emergência de uma base de pirâmide ainda num patamar muito baixo de renda econômica, que não pode configurar uma classe média segundo o padrão que o Brasil elegeu.

IHU On-Line – Que outros fatores sociais e políticos ajudam a compreender esse fenômeno de crescimento da renda dessa fatia da pirâmide?

Guilherme Delgado – Classe média é um conceito mais sociológico do que puramente econômico. É um conjunto de ocupações e funções da sociedade dentro da economia que acessa poder, riqueza, bens socioculturais, e uma certa modernidade. Não vejo isso nessa classe média estatística. São duas pesquisas distintas a da FGV e do IPEA. A pesquisa do IPEA é sobre o perfil de rendimentos e da ocupação no mercado de trabalho. Ela mostra que há um avanço da ocupação formal, com carteira assinada, ou qualquer forma de vínculo empregatício nos últimos sete anos. Esse avanço se dá, basicamente, nas ocupações com dois ou até três salários mínimos. Portanto, o emprego formal nesse patamar tem se elevado, o que representa, junto com outros fatores da política social (os benefícios da seguridade social, da previdência, da assistência), um avanço da base da pirâmide, a parte muito pobre, para uma situação ocupacional e de rendimentos mais favorável. Estamos elevando o patamar de renda da classe baixa pelo acesso a benefícios sociais do Estado de bem-estar e por um certo crescimento da ocupação, em função de vários fatores, como o crescimento econômico, e também pela própria dinâmica da política social. Mas isso não configura nem uma nova classe média, nem uma redistribuição de renda no sentido de eqüidade, de solução das questões do bem-estar. Isso está a quilômetros de distância.

É preciso ter cuidado com essas informações estatísticas, meio imediatistas, que, no afã de afirmar determinadas virtudes do modelo do sistema, do governo, terminam manipulando informações que não procedem. A distribuição de renda na sociedade e a sua destinação a diversos grupos sociais é aferida muito mais pela chamada distribuição “trabalho – capital” do que por essas pesquisas ocupacionais e da PNAD, que são muito restritas.

E, na distribuição de renda “trabalho – capital”, as fatias continuam muito desiguais, ou seja, temos menos de 50% dos rendimentos do trabalho e da seguridade social apropriados por toda a população economicamente ativa. Enquanto isso, os outros 50% (ou mais) vão para uma fatia extremamente pequena da população, o que permanece. A notícia é a de que temos uma nova classe rica, que enriqueceu muito nos últimos anos. A classe muito pobre melhorou um pouco, e a classe média encolheu. Esse que é o resultado mais significativo dessas análises.          

IHU On-Line – Então, a saída das pessoas da pobreza não significa que elas estejam entrando na classe média?

Guilherme Delgado – Não. A não ser que se use um conceito de classe média puramente estatístico. Se pegarmos a distribuição e dividirmos pelo número de pessoas, simplesmente a média aumenta um pouco quando melhora a situação dos “de baixo”. Isso tem ocorrido. Os índices de Gini, que medem a distribuição de renda, têm mostrado melhora. Mas isso não significa que mudamos a forma de repartir a riqueza no Brasil, que temos uma nova classe média, com um estado de bem-estar reconfigurado. Repito: isso está a quilômetros de distância. E aí faço menção clara de que a pesquisa do IPEA não afirma a existência da classe média, nem que há mudança na distribuição funcional da renda. Ela afirma que há distribuição pessoal dos ganhadores de salário e rendimentos do trabalho. Isso, sim, melhorou em função desses dois fatores: crescimento da ocupação formal e dos gastos da seguridade social.  

IHU On-Line – Vemos mais um aumento no consumo, não é?

Guilherme Delgado – Isso provoca, sim, um aumento no consumo de bens e artigos gerais, como alimentos. Está acontecendo uma concentração no topo da pirâmide, nos 5% mais ricos, e isso avança significativamente a concentração da riqueza, que não é medida nas pesquisas nacionais de amostragem por domicílio, porque essas pesquisas só pegam rendimento do trabalho e da seguridade. Rendas do tipo lucros, juros, aluguéis, não entram aqui.   

IHU On-Line – Podemos falar de classe média em uma sociedade onde temos uma progressiva redução do salário em relação aos ganhos possibilitados pelo trabalho?

Guilherme Delgado – Na pesquisa do IPEA e outros indicadores que estamos observando, constatamos que há um aumento significativo do emprego de trabalhadores nas diversas atividades comerciais, industriais e de serviços até a faixa dos três salários mínimos. Acima desse patamar, não há aumento de emprego. Os setores mais dinâmicos da economia, que têm maior necessidade do chamado capital humano não estão contratando mais. O que temos é um acréscimo significativo da chamada mão-de-obra, lida pelo mercado como não qualificada. A produtividade do trabalho está aumentando, mas os salários não. Porque o fato de termos um aumento na renda do trabalho pode ser causado por outros fatores, pois os trabalhadores percebem renda por conta das suas atividades econômicas e pelas suas inserções nas políticas sociais. O fato de ter aumento de renda no domicílio não significa necessariamente que houve acréscimo na produtividade do trabalho. É importante considerar esse aspecto, mesmo que nesses setores de base, com salários mais baixos, tenha havido aumento de emprego e algum acompanhamento de salário, principalmente porque há uma vinculação aos ganhos com o aumento do salário mínimo. Como o salário tem tido incremento real, com base na lei que já vige há dois anos, esse pequeno incremento da produtividade geral da economia está incorporado nesses salários de base. Mas, no conjunto do leque salarial, não tem havido essa transferência dos ganhos de produtividade para o salário, não. Isso precisa ser demonstrado. O que tem havido é transferência de renda da seguridade social, via tributação, para os detentores de direitos (previdenciários e assistenciais), que ganham salário mínimo. 

IHU On-Line – A taxa de juros e a política monetária do governo atual contribuem para o aumento da renda dos trabalhadores?

Guilherme Delgado – A política de juros não tem contribuído. É aquela história da música “Apesar de você”, do Chico Buarque. É a política social de Estado associada às regras de sua anual correção que provoca esses ganhos de renda das classes mais baixas. O salário mínimo é uma lei anual, mas a vinculação do salário mínimo ao piso dos benefícios da previdência e da assistência é uma regra constitucional, que não tem nenhuma relação com o Banco Central. Apesar da política monetária, a aplicação dessas regras melhora a distribuição para os mais pobres, que já estão incluídos, ou no mercado de trabalho, ou no sistema de proteção social da seguridade. Os que estão de fora indiretamente se beneficiariam, porque o salário mínimo é uma espécie de farol no mercado de trabalho. É esse o campo de “bondade” do aspecto distributivo da política social. A política monetária vai para um outro caminho, completamente diferente.

Atualmente, ela está perseguindo a chamada meta inflacionária via aumento da taxa de juros. Com isso, ela está colocando em xeque as próprias metas de crescimento econômico do PAC, na perspectiva de que, com política monetária, se contenha o preço de alimentos. É a engenharia que está na cabeça desse pessoal. Não tem nenhuma relação com o lado distributivo da economia, pelo contrário. O objetivo da política monetária é conter a demanda interna para que se equilibre a meta inflacionária num patamar que eles acham que deve ser de 4,5% ano que vem. E tudo o mais se ajustaria de forma constrangida. Portanto, não há vínculo entre política monetária e distribuição de renda.     

IHU On-Line – E como a economia internacional interfere nesse cenário?

Guilherme Delgado – A partir de 2008, o Brasil voltou a ter déficit externo na conta corrente, e esse é um problema sério. É preciso repensar a política externa com esse constrangimento novo. Portanto, a entrada maciça de capitais e o câmbio supervalorizado como conseqüência são fatores que conspiram contra o chamado equilíbrio externo. Vejo essa política do Banco Central de elevar a taxa de juros e manter uma proposta contencionista do ponto de vista do crescimento muito negativamente em relação ao equilíbrio externo, por ela não só não resolver, como agravar a situação do déficit na conta corrente.

IHU On-Line – A classe média não se beneficia da política de juros do governo quando, eventualmente, aplica seus rendimentos em ações?

Guilherme Delgado – A política monetária tem um foco no equilíbrio macroeconômico: inflação, as contas externas, a questão do crescimento econômico. Essa seria a destinação ou o objetivo da política do Banco Central, principalmente a inflação. Claro que a política monetária tem uma relação com a política distributiva, mas no sentido inverso, negativo. Ela é uma política concentracionista e não redistributiva. Com relação aos titulares de ações, não é essa política que terá efeitos diretos. Isso depende do desempenho econômico de cada setor e, provavelmente, da perspectiva do crescimento que a economia, no seu conjunto, venha a ter. Como a política de juros é niveladora “por baixo” do crescimento de diversos setores, não terá efeitos benéficos do ponto de vista dos rendimentos das ações em geral, a não ser de setores particulares, que estão sendo privilegiados nesse processo de concentração de renda, de inserção externa, de crescimento para fora. Por exemplo, o chamado agronegócio está protegido por uma blindagem enorme de defesa, porque faz parte da estratégia oficial há algum tempo, de exportar a qualquer custo para fechar as contas externas. No conjunto da economia, a política de juros altos é contra o crescimento econômico. Só beneficia quem tem riqueza financeira diretamente envolvida no processo de financiamento do Estado. 

IHU On-Line – Na sua opinião, qual a importância do incentivo do governo Lula para a compra da casa própria, um programa destinado à classe média? Como essa iniciativa contribui para a ascensão dessa classe social?

Guilherme Delgado – Os programas oficiais têm um fôlego que depende do desempenho do conjunto da economia. Ter um programa para a casa própria e, ao mesmo tempo, elevar a taxa de juros, que vai incidir no endividamento das pessoas que adquirem o bem, é uma grande contradição. Imagino um programa de massiva ampliação do financiamento habitacional para os setores de base, com crescimento da renda do trabalho e uma redução significativa dos encargos financeiros. Não é viável ampliar crédito habitacional de longo prazo e ampliar juros, porque isso exclui os setores de baixa renda. A idéia de aumentar o crédito habitacional é boa, desde que ela não compre essa política agressiva de elevação de juros.   

IHU On-Line – A partir dos resultados das pesquisas mais recentes sobre o aumento da renda dos brasileiros, que futuro podemos vislumbrar para os próximos cinco anos no Brasil? Que tendências se apresentam?

Guilherme Delgado – Desde 2001, há uma tendência firme em todos os indicadores de mercado de trabalho, que mostram um grande crescimento do emprego formal. E isso continuou no governo Lula e se mantém até hoje com um crescimento muito acima do Produto Interno Bruto. Esse é um dado positivo, que precisamos interpretar como um movimento do conjunto da economia, principalmente dos setores de base, para ampliar e gerar novos postos e novas formas de ocupação, inserir-se nos mercados formais e nas atividades informais, agora com uma certa formalidade, via microempresa ou sistema simples. Esse movimento pode ser corroborado por uma política econômica que amplie e fomente o desenvolvimento desses setores de base. A ampliação do emprego formal atinge um limite e depois pára de crescer. Vejo como perspectiva uma ampliação significativa do mercado de trabalho formal se a política social for mantida e ampliada e não reduzida (como quer a reforma tributária cogitada pelo governo), e se tivermos uma forma de incentivo econômico para os setores de base de forma diferenciada. Não vejo isso sendo arranjado de forma consistente dentro do governo. Vejo mais na sociedade do que no governo. Os resultados da economia refletem muito mais movimentos endógenos de autodefesa da sociedade do que propriamente projetos estruturados e planejados da política econômica.

> Cresce adesão da classe média ao consumo de crack (julho de 2008) 

Comentários